7.8.08


Pequeno manual de sobrevivência na selva


Como toda pessoa que mora no Rio, eu também ouvi, mais de mil vezes, a recomendação de que nunca, jamais, em tempo algum, saísse de casa com os documentos na bolsa – e, como toda pessoa que nunca foi assaltada, sempre deixei para o dia seguinte a tarefa de tirar as tais cópias autenticadas que, agora, estariam me poupando de muitos aborrecimentos. Como não sou de todo tonta, pelo menos a identidade ficou em casa e se salvou; mas lá se foi a carteira de motorista, que mal uso posto que não tenho carro, mas que tem valor legal como identificação.

Seguindo a tradição de instalar a tranca depois do arrombamento, elaborei uma lista de precauções para o próximo assalto. Espero do fundo do coração que ela jamais tenha utilidade para qualquer um de vocês, mas acreditem: se eu tivesse feito tudo o que agora recomendo, teria tido um bom ganho de tempo, de tranqüilidade e até, quem sabe, de dinheiro.

O primeiríssimo item é levar a sério a recomendação universal dos já assaltados: nunca, jamais, em tempo algum, sair com os documentos originais. Passem hoje mesmo no cartório da esquina, façam logo três cópias de cada documento, autentiquem, guardem os originais em casa e passem a usar as cópias. Por que três? Simples: poupam idas ao cartório. A segunda é para evitar a tentação de usar os originais em caso de perda da primeira; a terceira é o backup extra de segurança que sempre recomendei e que pratico religiosamente com meus documentos digitais, e que achei de bom tom transferir para a, digamos, “vida real”.

Segundo item: aproveite a ida ao cartório ou à loja de Xerox e tire cópia de tudo o que estiver na carteira, dos cartões de crédito às fotos das crianças. Guarde essas cópias em casa em lugar fácil de lembrar. Saber o que estava na carteira e, sobretudo, o número dos cartões roubados poupa muito tempo e estresse, assim como ter à mão aquele número de telefone quase ilegível que eles trazem na parte de trás para emergências.

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As perdas que mais lamento do assalto são uma foto da Bia com a Keaton, feita há dez anos numa máquina automática, e conseqüentemente sem cópia, e o bilhetinho lindo que o meu amor desenhou, lá se vai uma vida, e que eu lia e relia sempre que me aborrecia com alguma coisa. Tinha poderes mágicos. Á vista daquelas palavras de carinho, qualquer aborrecimento reduzia-se à sua devida dimensão, e o mundo voltava a ser belo.

Essas coisinhas que nada significam para os outros, mas que consideramos verdadeiros talismãs, não podem, infelizmente, correr o risco de circular por aí. É melhor o original na gaveta e uma cópia na carteira do que a saudade que fica.

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Terceiro item: faça cópia de todas as chaves de casa e deixe ou num esconderijo seguro, ou com algum amigo que more perto e não se incomode de ser acordado às três da manhã quando você voltar da delegacia. Ser assaltada é horrível, mas ser assaltada e ficar trancada fora de casa até que o primeiro chaveiro da vizinhança pegue no batente é muito pior.

Quarto item: seguro do celular. Este, já aviso, é um item polêmico. Algumas operadoras, lojas de varejo e seguradoras oferecem seguro, geralmente para aparelhos novos. Não é barato. Tipicamente, ao longo do ano, paga-se cerca de 20% do valor do aparelho, e o seguro só vale mesmo para casos de roubo, ou seja, se o usuário perder ou tiver o celular discretamente afanado numa festa ou num ônibus cheio, sem violência, a seguradora não tem nada a ver com isso. Há muitos relatos de dissabores com seguradoras de celulares na internet. Mas como alguns aparelhos são bastante caros, e como a sutileza há muito deixou de ser característica de quem trabalha no ramo de separar as pessoas dos seus bens terrenos, estou pensando muito no caso.

Como sabe quem leu a coluna da semana passada, consegui salvar meus dois celulares; a perda, de qualquer forma, teria sido apenas financeira, pois o backup do conteúdo de ambos está devidamente salvo nos meus computadores. O quinto item é, portanto, a recomendação de fazer este backup. Quase todo celular hoje à venda pode ser conectado a um computador. Para quem não tem computador, recomendo os serviços de backup da lista de contatos, feito pelas operadoras.

O sexto item é uma coisa que ainda nem descobri se existe: seguro para óculos de grau. Procurei na internet e, até agora, tudo o que descobri foi uma ótica portuguesa que oferece aos seus clientes um seguro de lentes. Já seria meio caminho andado se existisse algo semelhante no Brasil, porque as minhas lentes (multifocais) são, por incrível que pareça, ainda mais caras do que os celulares – e os meus óculos escuros favoritos estavam na bolsa. O mais triste é saber que quem os levou vai jogá-los no lixo, depois de experimentá-los e de ficar matutando como consegui chegar ao oftalmologista sem uma bengala branca.

Quando fizer novos óculos escuros, vou colar dentro do estojo um cartão com meu nome, um número de celular que uso relativamente pouco e a palavra mágica escrita em vermelho: “Gratifica-se!” Nem preciso dizer que, se alguma boa alma se prontificar a devolvê-los em caso de novo assalto, vou marcar o encontro em território neutro, seguro e longe de casa. Shoppings são ótimos para isso.

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Agradeço de coração aos leitores que escreveram oferecendo solidariedade. Carinho é muito reconfortante numa hora dessas, e eu bem que gostaria de responder de forma pessoal, email por email; saibam, porém, que li todas as mensagens recebidas, e que todas foram da maior importância para mim. Mais uma vez, muito obrigada.


(O Globo, Segundo Caderno, 7.8.2008)

Um comentário:

Anônimo disse...

Eu nunca fui assaltada, mas sempre estou com medo e tento não sair com coisas de muito valor.
O outro dia estava comprando uns lentes multifocais e fora vi uns caras que não gostei, então estive dentro da loja mais tempo.