30.8.08

Boa romaria faz...

Vocês estão acompanhando o blog da Van? As férias dela estão divertidíssimas... sobretudo, acho, para nós que ficamos aqui, lendo, no conforto do lar.

Fotos, causos, muita vida

Segredo: além da apresentação do grande Jânio de Freitas, este livro era para ter um prefácio meu. Acontece que a vida se meteu no meio, me deu uns pontapés malvados e perdi, assim, a chance de deixar registrada, para a História, toda a admiração que tenho pelo Flávio Damm.

Poucos profissionais da imprensa brasileira viram e registraram tanto quanto o Flávio com suas Leicas. Tem uma sempre a postos, mesmo quando vai comprar pão: sabe que as grandes fotos não marcam hora ou lugar, e têm hábito de acontecer quando menos se espera.

Pois em “Preto no branco”, esse fenomenal contador de histórias visuais mostra um lado menos conhecido da sua personalidade, mas não menos apreciado pelos que têm a honra de chamá-lo amigo. É também um exímio contador de causos.

Ora, quando um mestre da imagem calha de ser, também, um artista da palavra, o resultado só pode ser, como este livro encantandor, o melhor de dois mundos.

Uma obra imperdível para fotógrafos, não-fotógrafos e todos que gostam de boas histórias.

(O Globo, Prosa e Verso, 30.8.2008)

28.8.08


Fal: do blog para uma livraria perto de você

Uma das vozes mais extraordinárias da internet
faz a travessia para o papel; o livro é imperdível



O livro chegou só assim, como quem não quer nada, como chegam tantos outros. Abri o pacote distraída, junto com o resto da correspondência; ia viajar naquela noite mesmo, a cabeça já estava no aeroporto. Capa bonita, título intrigante — “Minúsculos assassinatos e alguns copos de leite”— e um bilhetinho que me chamou a atenção antes mesmo que me desse conta do nome do autor:

— Olá, tudo bem? — dizia a letra bonita, prateada sobre preto, da Cíntia Borges. — Não sei se já conhece a Fal Azevedo, ela é muito popular na web por conta do blog “Drops da Fal”. A Rocco lança nos próximos dias o livro dessa paulistana adorável. Tomara que goste! Por aqui, estamos todos apaixonados pelo livro.

Fal?! O coração bateu mais rápido, conferi a capa novamente e lá estava o nome da minha amiga tão querida, Fal Azevedo, sim senhores. Abracei o livro e o beijei, na impossibilidade geográfica de fazer o mesmo com a autora; para dizer a verdade, nunca nos encontramos pessoalmente. Eu não teria ficado mais feliz com o lançamento de um livro meu.

Grande Rocco! Há anos — que já me pareciam séculos — eu me perguntava quando, afinal, uma editora de verdade ia descobrir a Fal, essa alma extraordinária, essa pessoa verdadeiramente incomum, essa escritora com tantas qualidades, mas com um defeito imperdoável na nossa sociedade, perdão!, midiática: uma total e absoluta falta de talento para a autopromoção.

* * *

A Fal tem uma densidade atômica rara nos dias de hoje. Digo “densidade atômica” à falta de melhor definição. Para mim, significa sensibilidade, cultura, delicadeza de alma, poder de expressão. Ela não só tem o que dizer, como diz bem, com originalidade e com a leveza de quem sabe que o mundo não começa nem acaba num blog ou num livro; vale dizer, com aquela seriedade essencial que, salvo raríssimas exceções, só alcança quem não se leva excessivamente a sério. É craque em cortadas rápidas que resumem um sentimento, um momento, uma diferença intransponível:

“De vez em quando o passado, que tava quietinho no canto dele, vem até onde você está, dá um tapa na sua cara e sai, antes que você possa esboçar reação. Ui.”

Isso é de agosto de 2004. Guardei porque, por acaso, reproduzi no meu blog.

“Se você não sabe a diferença entre medo e temor, nós nem podemos começar.”

Isso é de ontem. Abram os arquivos do seu blog, e em qualquer dia, de qualquer ano, vocês vão encontrar observações assim. Às vezes a Fal, que é a mais doce das criaturas, corta como papel: sorrateiramente, sem aviso, sem dizer água vai. Mostrando que sabe onde a vida dói, caso a gente tenha esquecido.

O “Drops da Fal”, um dos mais bem freqüentados blogs que conheço, não tem comentários. Tem livro de visitas, uma grande tapeçaria de conversas, e não há ocasião em que eu vá lá e não agradeça aos céus, mais uma vez, me terem feito contemporânea da internet. Confiram: visitem, leiam, dêem palpite, troquem idéias com a Fal e com aquela turma maravilhosa que bate ponto por lá. Depois me digam se a vida online não pode ser de uma riqueza sem fim. O blog fica em ddfal.notlong.com.

* * *

Nem sempre blogueiros atravessam bem a fronteira entre o virtual e o real. As mídias são diferentes, pedem diferentes estados de espírito, diferentes filamentos internos. Pois a Fal é das raras, raríssimas pessoas que mantém, na página ou no monitor, o mesmo sentimento à flor da pele, o mesmo jeito de misturar o real e o irreal, o trágico e o trivial. “Minúsculos assassinatos” é e não é um romance. Melhor dizendo, é um romance pós-web, pós-blog, em que, ao mesmo tempo e na mesma página, misturam-se revelações dramáticas, incongruências do cotidiano e vozes variadas, personagens de ficção e gente de carne e osso — sem que, em momento algum, a tensão diminua ou o fio da meada se perca. Como ela faz isso, eu não sei. Só sei que é danado de bom.

* * *

“Fal: Quando a gente escolhe não dizer a palavra mais dura, a gente amadureceu? Ou amoleceu? Tenho medo da resposta.”

“Vera: Fal querida, quando a gente escolhe não dizer a palavra mais dura não é nada disso de amadurecer ou amolecer. É porque a gente quer continuar o jogo. Sabe frescobol? Pro jogo continuar, você tem que ajeitar a bola pro outro, se esforçar pra alcançar a bola que veio, jogar pra cima pra dar tempo pro outro chegar, abaixar, esticar. Agora, se você não quer continuar o jogo, você dá logo uma raquetada e vai embora. Beijos para todos.”

Isso é de dezembro de 2002. Roubei para o meu blog, na época; aliás, o blog da Fal é dos que mais assalto, sem a menor cerimônia. Mas isso, parte disso, também é “Minúsculos assassinatos”. Que me dá vontade de carregar inteiro para o blog, e que não poderia recomendar a vocês com mais carinho ou entusiasmo. Não só pela leitura rica, densa, às vezes desconfortável, sempre humana; mas também pela experiência mágica que vocês poderão viver na seqüência, indo ao blog, conversando com a Fal em pessoa e se apaixonando perdidamente por ela. Aproveitem agora, enquanto ainda é (quase) segredo.

* * *

“Uma lua amarela gigantesca, manchada de cinza e com um aro vermelho em volta, bem baixa no céu, manteve, acho, todo o litoral paulistano acordado essa madrugada. Os cães uivavam e se jogavam contra os portões e uns contra os outros. Os gatos miavam alto e riscavam fósforos.”


(O Globo, Segundo Caderno, 28.8.2008)

25.8.08

Caramba...!

Acabo de descobrir que sou finalista do Prêmio Comunique-se.

Muito legal -- dessa vez, com tanta coisa, digamos, "exótica" acontecendo na minha vida, eu nem sabia que estava concorrendo!

Então, mais uma vez, peço aos coleguinhas que lêem o blog (e que, eventualmente, achem que mereço ganhar) que dêem um pulo até lá, e votem na colunista que vos tecla e que, penhorada, agradece a preferência.

Não comerei da alface a verde pétala

Vinícius de Moraes


Não comerei da alface a verde pétala
Nem da cenoura as hóstias desbotadas
Deixarei as pastagens às manadas
E a quem mais aprouver fazer dieta.

Cajus hei de chupar, mangas-espadas
Talvez pouco elegantes para um poeta
Mas pêras e maçãs, deixo-as ao esteta
Que acredita no cromo das saladas.

Não nasci ruminante como os bois
Nem como os coelhos, roedor; nasci
Omnívoro; dêem-me feijão com arroz

E um bife, e um queijo forte, e parati
E eu morrerei, feliz, do coração
De ter vivido sem comer em vão.

(Los Angeles, 1947)

Nokia: o futuro como matéria prima II

Conforme prometi semana passada, parte do futuro ficou para hoje. Recapitulando: a convite da Nokia, fui visitar o Nokia Research Center (NRC) de Palo Alto, onde conversei com o CTO Bob Iannucci, o administrador dos centros de pesquisa de sistemas Henry Tirri e John Shen, diretor do centro de Palo Alto. Ao contrário do que costuma acontecer quando visito laboratórios de pesquisa de tecnologia móvel, não vi um único protótipo de futuro aparelho. Explica-se: a pesquisa em Palo Alto está 100% voltada para conceitos, interfaces, usabilidade. Tudo isso tem importância crescente para a Nokia que, de dois anos para cá, cada vez mais se aprofunda na área de software e de serviços.

Se não vi nenhum protótipo fui, por outro lado, apresentada a algumas idéias muito interessantes. Algumas ainda estão em forma embrionária; outras podem ser implementadas num futuro próximo, praticamente imediato. Exemplo? O uso dos celulares como indicadores de trânsito. Não apenas como receptores GPS, coisa que os N95, por exemplo, já são, mas como verdadeiros auxiliares na previsão do fluxo de veículos.

A coisa funciona mais ou menos assim: ao passar por certos pontos estratégicos, os celulares enviam um sinal, automaticamente, para um servidor ligado a um centro de controle de trânsito. O centro calcula coordenadas como direção e velocidade, e a partir daí prevê, antes de qualquer outro sistema atualmente existente, a formação de retenções. Na seqüência, os usuários são alertados para que tomem outro caminho. Trata-se, em suma, de uma versão tecnológica da inteligência coletiva dos enxames e dos formigueiros servindo ao indivíduo.

Claro que, em princípio, poderiam existir sérias questões de privacidade envolvidas num aplicativo assim, mas este foi um ponto ao qual os pesquisadores prestaram particular atenção. Os dados são criptografados, não são retidos por nenhum servidor e é virtualmente impossível identificar o percurso de um determinado celular. O mais importante, porém, é que, a despeito desses detalhes, só participa quem quiser.

Há poucos meses, a Nokia fez um teste com centenas de voluntários de Berkeley, para o qual convidou toda a espécie de autoridades de trânsito, obviamente ligadas aos seus centros habituais de informação. Pois os celulares soltos na estrada deram um verdadeiro banho nos outros sistemas. De modo que, para o outono, já está planejado um novo teste, com milhares de carros, que vai durar alguns meses. O aplicativo é agnóstico em termos de plataforma, ou seja, poderá ser adotado por qualquer empresa, em qualquer aparelho dotado de GPS.

* * *

A Nokia fabrica, atualmente, 15 celulares por segundo. É muito celular. E é, também, um problema ecológico de todo o tamanho. O que a empresa está fazendo no sentido de diminuir o impacto da sua produção sobre o meio ambiente?

-- Estamos tentando tornar os celulares cada vez mais biodegradáveis, -- diz Iannucci. – Em outras palavras, estamos usando cada vez mais material biodegradável ou reciclável nas casacas, e tornando o desmonte mais simples e rápido.

Em termos de bateria, a idéia não é aumentar a capacidade energética, mas, ao contrário, reduzir o consumo dos aparelhos. Faz sentido.


(O Globo, Revista Digital, 25.8.2008)

A caixa grande fez um sucesso...




Tem mais!

23.8.08

Nessa festa só tem fera!




Barrocas em cena




Foto Monca




A platéia




A pedidos...




Está bombando!




Na Laura




Fala, Laura

No link acima, uma entrevista bem legalzinha com a Laura, que fala sobre música e a série de concertos que está fazendo.

No mais, falamos nós, e -- dado que é 23 de agosto -- podemos começar com uma frase de pouca originalidade, mas de eficácia testada ao longo dos anos:

Feliz Aniversário!!!

Pois é: hoje a minha irmã favorita faz anos. E não vou dizer que pessoa espetacular ela é e que profissional da pesada, nem descrever a criatura cheia de bom-senso, sabedoria e bondade, porque, em sendo a Laura minha irmã, poderá parecer que estou exagerando ou contando vantagem.

Como sabem todos que acompanharam o blog das suas andanças, e todos os que têm a sorte de conhecê-la em pessoa, ao vivo e a cores, eu não estaria fazendo nem uma coisa nem outra; às vezes, por mais que a gente exagere, ainda fica faltando com a verdade.

Nisso é que dá ter uma irmã que é O MÁXIMO!

:-)

22.8.08

Hélio e Millôr




Shiraz




Os pombos não deram as caras hoje




Gostei... :-)




Desculpem, a tonta aqui esqueceu de postar na segunda-feira!

Nokia

O futuro como matéria prima


Quando gente graúda como os caciques da Nokia se dispõe a compartilhar com nosotros, mortais comuns, as suas previsões sobre o futuro da tecnologia, qualquer um com um mínimo de curiosidade e de experiência larga tudo e corre para ouvir – entre outras coisas, porque não há nada como ter previsões de quem, na verdade, está fazendo o futuro. Assim é que, na quarta-feira passada, cerca de 20 jornalistas latino-americanos embarcaram em diversos pontos do continente, indo literalmente num pé e voltando no outro, para ter o privilégio de passar a quinta-feira no novo centro de pesquisa da empresa em Palo Alto, conversando com o CTO Bob Iannucci, o administrador dos centros de pesquisa de sistemas Henry Tirri e o anfitrião John Shen, diretor do NRC de Palo Alto.

E o que diz a bola de cristal do Vale do Silício? Essencialmente, que os próximos cinco ou dez anos vão ser extremamente interessantes, porque ao longo deles se definirá a famosa convergência de que falamos há pelo menos uma década -- e que John Shen prefere definir como colisão, já que há tantas indústrias diferentes correndo atrás deste Santo Gral.

Ele acha que estamos caminhando na direção de um aparelho que não será nem notebook nem celular, vale dizer diferente de tudo o que conhecemos, mas guardando características de um e outro.

-- A questão do formato não é tanto o que importa, muito menos o nome, -- complementa Tirri. – A grande mudança estará sobretudo na naturalidade com que usaremos esses aparelhos.

Ao contrário do que se imagina, muito do que está por vir não será definido pelas pesquisas e pela tecnologia aplicadas aos handsets topo de linha, mas sim dos humildes entry-levels destinados à população de baixa renda dos países emergentes. Um belo teclado QWERTY como o de que dispõe o E71 não adianta nada para quem não sabe escrever. Da mesma forma, de nada adiantam mapas super detalhados quando os usuários têm, como na Índia, total incompatibilidade de gênio com a cartografia.

Enfim, uma das vertentes do futuro by Nokia é que não só falaremos pelos aparelhos, como falaremos com eles, de forma muito mais simples (e sofisticada) do que o tosco reconhecimento de voz atual. O que quer que venha por aí, garante Iannucci, fará a ponte entre o mundo digital da Internet e o mundo analógico em que vivemos.

E o que quer que venha por aí dependerá muito de software e de serviços; a tal ponto que os 50 pesquisadores do laboratório de Palo Alto, criado em 2006, dedicam-se em tempo integral à descoberta de novas trilhas para a vasta comunidade conectada pelo celular. Hardware não é com eles.

A conversa foi estimulante e reveladora. Há muitas coisas que ainda quero contar para vocês, como, por exemplo, o uso dos celulares para traçar a onda do tráfego em tempo real ou o curioso navegador por imagens, breve em telefones perto de vocês.

Fica para a semana que vem, nesta mesma revista e local. Afinal, o futuro, por mais próximo que esteja, sempre pode esperar.

(O Globo, Revista Digital, 18.8.2008)

Pronto!




21.8.08

Irineu





São Francisco: anotações de viagem


Durante muitos e muitos anos, São Francisco foi a minha cidade nos Estados Unidos, e não só por ser a porta de entrada para o Vale do Silício, que eu visitava pelo menos uma ou duas vezes a cada seis meses. Havia em São Francisco, pequena e “andável”, uma natural sensação de cumplicidade entre as pessoas, já que aquela era a cidade de escolha de quem, por um motivo ou outro, não se sentia à vontade no resto do país: beatniks, hippies, gays, excêntricos em geral, estrangeiros de toda a parte. A sensação de exclusão alhures contribuía para uma aceitação quase latina do outro, para um nível de intimidade entre estranhos impensável num país anglo-saxâo. Ainda que, desconfio, isso acontecesse mais para manter vivo o folclore local, a verdade é que esse era um bom folclore, que gerava vibrações positivas.

Peguei muitas caronas de completos desconhecidos que se desviavam do seu caminho apenas para fazer a gentileza de me deixar aonde eu ia; fiz um dos passeios inesquecíveis da minha vida na garupa de uma Harley enorme depois de parar para admirar as motos de um grupo de Hell´s Angels barbudos, de meia-idade e braços cobertos de tatuagens. Não sei se, em qualquer outro lugar do mundo, teria parado para conversar com grupo semelhante, mas em São Francisco tudo me parecia perfeitamente natural. Fiz incontáveis perguntas sobre as motos, que foram respondidas com gentileza e paciência; no fim, um dos fofos se ofereceu para dar uma volta comigo.

E por que não? O dia estava lindo. Rodamos São Francisco toda, atravessamos a ponte e fizemos a volta em Sausalito. A moto era um escândalo de potente e confortável, e o meu mais novo amigo de infância, apesar da indisfarçável paixão pela velocidade, pilotava com uma segurança incrível. Nunca quis ter moto, tenho medo de motos como meio de transporte mas, até hoje, me lembro desse passeio como algo mágico, e guardei um lugar especial no coração para as Harleys e os Hell’s Angels.

* * *

São Francisco, de onde voltei domingo, guarda muito pouco da cidade que me conquistou. Continua linda, cresceu sem se descaracterizar excessivamente, mas foi vítima do desenvolvimento da tecnologia (que transformou de maneira radical o perfil dos seus habitantes) e, como tantos bons lugares dos Estados Unidos, do 11 de setembro e da cultura do medo propagada pela gang de Bush. Não acredito que, hoje, qualquer pessoa me oferecesse carona, como nos velhos tempos, mas vai ser difícil tirar a dúvida. O país está tão maluco e paranóico que eu é que, agora, jamais aceitaria carona de um americano desconhecido. É curioso que nos motoqueiros grisalhos continuo confiando, mas infelizmente tornei-me um bípede traumatizado com motos, com um joelho que uiva sempre que se aproxima de um motor sobre duas rodas.

* * *

Também já gostei mais de Chinatown, antes mais autêntica e fonte quase exclusiva de mil e um produtos que não se encontravam fora da Ásia. Com a globalização, muitos desses produtos se acham a preços vis em qualquer lugar. Ainda há muito o que ver por lá, mas é preciso ter paciência de Jó para descobrir algo que preste por trás das pilhas de artigos ordinários, lembranças de São Francisco, dragões e budas de plástico, chaveiros, cinzeiros, abridores de garrafa, leques vagabundos, camisetas a um dólar, trecos dourados, sedas baratas e uma quantidade tal de quinquilharias que quase impede a circulação pelas lojas.

Antigamente, a única alternativa local a esse comércio exasperante eram os antiquários, mas minha relação com eles era, e continua sendo, platônica, dados os preços impraticáveis. Felizmente, a ficha de alguns comerciantes começa a cair, e já há duas ou três lojas com estoque diferenciado e bonito, arrumado com capricho, para aqueles fregueses que, embora não tenham cacife para gastar em antiguidades, também não têm paciência com a tralha de quinta dos seus vizinhos. Minha descoberta da vez foi uma loja chamada Asian Image, que tem papéis, aquarelas, cerâmica pintada à mão, livros de arte. Tão boa, que nem parece estar em Chinatown.

* * *

Por falar em lojas de São Francisco, uma das minhas favoritas absolutas é a Gump’s, de Post Street, cheia de personalidade e atitude. Fico feliz vendo que não mudou nada nos mais de 20 anos em que a conheço; não tem filiais, não faz parte de rede alguma e consegue misturar clássicos ocidentais com um sabor oriental único. É uma rara sobrevivente num mundo em que, mais e mais, as mesmas lojas e marcas encontram-se em qualquer shopping center globalizado. Para ir à Gump’s e curtir o gosto peculiar dos seus compradores e a originalidade do que lá está reunido, é preciso ir a São Francisco. Ao contrário das biroscas de Chinatown, repetidas da Avenida Copacabana ao Paraguai, a Gump’s é um daqueles empórios clássicos em que o freguês é sempre tratado com desvelo, mesmo que não compre nada. Seus preços nem são tão altos; a mercadoria é que é fora do comum, e o fora do comum raramente é barato.

Embora seja parada obrigatória para mim sempre que vou para aquelas bandas, não tenho muita coisa de lá. Não gosto de carregar pacotes complicados em viagem, mas dessa vez não resisti e comprei um biombo de papel de arroz até levinho mas que, uma vez empacotado, ficou mais alto do que eu e deu uma mão de obra danada: mal coube no taxi, foi complicado de despachar e, uma vez aqui, só entrou numa Doblô com os bancos de trás deitados. Fiquei à mercê de carregadores e do respeito da companhia aérea às muitas etiquetas de “Frágil!” que colei na embalagem, e nem preciso dizer que virei alvo instantâneo da aduana, que quis, compreensivelmente, ver o que era aquele trambolho.

E sabem o quê? Cheguei à conclusão de que viagem da qual se volta com a maleta de mão é o que há de prático, mas viagem da qual se traz um pedaço do mundo é uma aventura que não tem preço.


(O Globo, Segundo Caderno, 21.8.2008)





(Guerra Civil Espanhola | Ay, Carmela)

A Capi me pediu que voltasse para o degrau onde eu estava antes, enquanto ela se entendia com o Fu Critter. Bichos traumatizados são ecossistemas emocionais muito delicados, e não é raro que evitem justamente as pessoas que podem ajudá-los.

Não sei o que conversaram, mas o fato é que ele voltou para o hotel conosco. Mas especificamente, com a Capi -- em relação a mim, estava cabreiro e desconfiado.




(Bob Dylan | Blowing in the Wind)

Na porta do quarto, ainda ficou na dúvida se entrava ou não, mas acho que a Capi convenceu-o dizendo que eu trabalhava o dia inteiro e que ele quase não precisaria me ver.

Nem era mentira: saí para jantar, na volta mergulhei no computador para escrever a coluna da Revista Digital e passei a madrugada digitando.




(Sting | Fragile)

Quando fui dormir, os dois estavam desmaiados lado a lado. A própria Capi, que estava se fazendo de durona, ainda estava abalada pela experiência traumática do Orange Level; era claro que aquela era uma amizade importante para os dois.




(John Denver | For Baby (For Bobbie)

De manhã, quando acordei, achei que os dois já estariam longe, mas qual o quê. Continuavam na segurança da cama quentinha do hotel, e ele agarrava-se às patas dela como um náufrago a uma tábua de salvação.


(Continua)

20.8.08

A platéia




Carolina




Ah, sim...

As aventuras da Capi e do Fu Manchu continuam em breve, na primeira brecha do trabalho.

Observação: Fu Manchu ainda é nome provisório; um misto de italiano (fu = falecido) e chinês, já que o encontramos em Chinatown; mas pode ser Decujinho, Mortinho da Silva, como vocês quiserem: está em aberto.

A gente não sabe mesmo quem ele é.

É hoje! Aliás, é daqui a pouco!!!

A professora Carolina Matos, que para o mundo em geral é uma intelectual da pesada e ensina na London School of Economics mas que, para mim, é uma sobrinha postiça querida, filha da Heliana, lança, na Livraria da Travessa do Leblon, a partir das 19hs, seu livro "Jornalismo e Política Democrática no Brasil".

O debate, que eu vou mediar, terá a participação da autora, do ótimo Carlos Eduardo Lins da Silva, da Folha, e do Antonio Brasil da UERJ, ex-TV Globo.

Sei que está super duper em cima para avisar, mas se vocês aparecerem por lá vai ser legal.

Um novo habitante da casa






Valeu, Ana Paula, muito obrigada!