19.4.08


Os dez piores filmes

Mal sabia eu a encrenca em que estava me metendo quando apontei “Paixão Proibida” como um dos dez piores filmes que já vi. Na ocasião, falei da natural dificuldade de se fazer uma lista dessas, já que filme ruim a gente esquece, se é que assiste até o fim, mas prometi me esforçar para chegar a um resultado razoável. O ponto de partida mais provável para a elaboração da minha lista, que seria a dos cem piores filmes do imdb, não funciona. É que lá figuram apenas piores filmes ruins, vale dizer, aqueles dos quais qualquer pessoa com juízo e com mais o que fazer mantém distância; afinal, quem se propõe a assistir um troço chamado “The hottie and the nottie”, estrelado por Paris Hilton, não pode se queixar.

Ao contrário do que eu imaginava, a lista tampouco serviu para me relembrar horrores esquecidos. Deus é bom, gosta de mim e me poupou daquilo tudo, o que não é pouca porqueira, considerando a quantidade de filmes que já passaram pela minha vida. A lista da Wikipedia é um pouco mais abrangente. Traz clássicos como “Plan 9 from outer space”, de 1959, e “Glen or Glenda”, de 1953, ambos de Ed Wood, que guardo com carinho em VHS, mas esses não contam porque, de tão ruins, chegam ao sublime.

O problema é que escolher filmes “geneticamente” ruins, como “Debi & Lóide” ou “Entrando numa fria maior ainda” (Meet the Fockers, uma pobreza total a partir do título), não é justo: eles são caça-níqueis e, do produtor ao lanterninha, ninguém os leva a sério. Para fazer jus à classificação de péssimo filme é necessário que a obra tenha, no mínimo, a pretensão de ser um filme, quando não uma obra de arte. É isso que faz de “Waterworld”, por exemplo, o estrepitoso desastre que é. E é por isso, também, que não agüento “Sonhos de Kurosawa”: cada fotograma desse festival de pieguice olha o público de cima para baixo, como se dissesse “Reparem bem, eu sou uma obra-prima! Eu sou inteligente e sábio e politicamente correto!” Argh.

Os leitores, como sempre, me ajudaram muito. Recebi ótimas sugestões aqui e lá no blog. Descartei todas as referências a filmes nacionais: há muita porcaria feita pelo mundo afora para a gente criar mais uma polêmica sobre o Glauber. De posse delas, e puxando pela memória, acabei com uma lista que me parece bastante completa. Pode ser que amanhã ou depois eu me lembre de alguma terrível injustiça, de algum filme que tinha que estar entre os meus Dez Piores, mas, até lá, posso afirmar com convicção: odiei cada segundo dos que relaciono.

  • “Amores brutos”, de Alejandro González Iñárritu, e “Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, estão empatados como os piores dos piores: são os filmes mais antipáticos, cruéis e nojentos.

  • “Cidade dos Sonhos”, de David Lynch, e “Full Frontal”, de Steven Soderbergh, empatam na pretensão e no quesito filme-cabeça; “Paixão Proibida”, de François Girard, que ombreia com eles, é tédio em estado puro.

  • “Hamlet”, de Franco Zefirelli, ganha com a escalação de elenco mais equivocada de todos os tempos.

  • “Gangues de Nova York”, de Martin Scorsese, empata com “Waterworld”, de Kevin Costner, na categoria muito barulho por nada.

  • “Os guarda-chuvas do amor”, de Jacques Demy, entra na lista por incitação ao suicídio: depois de dez minutos daquela cantoria, não há quem não queira cortar os pulsos.

  • Fechando, “Sonhos de Kurosawa”, pelos motivos acima mencionados.

    * * *

    Mandei o desafio para meu amigo Tom Taborda, o cinéfilo mais constante e onívoro que conheço, que não só vê pelo menos um filme por dia como, ainda por cima, se dá ao trabalho de fichá-los todos, um por um. Tom não resistiu à tentação de arrolar filmes trash, mas é importante frisar um detalhe: ele os assiste com gosto e sem preconceito, pelo que são. Eis a sua lista:


    1) “Em primeiríssimo lugar, "Flávia, a Monja Muçulmana", único filme que me fez sair da sala antes do fim;

    2) Todos os filmes de Manoel de Oliveira, que desconhece que o cinema já foi inventado: cada cena sua tem um penoso ritmo que investe de desproporcionada envergadura os mais trivais diálogos ("É por aqui que se vai ao Convento?", perguntam a um camponês à beira da estrada; até que a seqüência termine, com "Sim" e "Obrigado", teremos uma série de longas tomadas enfáticas). Nos filmes dele, até mesmo as plantas no cenário trabalham mal;

    3) "Round Midnight", o único em que dormi a sono solto;

    4) Todos os da estética "Uma Câmera na Mão, uma Idéia na Cabeça", que inventaram que a incompetência técnica, a improvisação e a falta de idéias é 'arte & gênio';

    5) "Anaconda", trash-movie que é um lixo;

    6) "Amantes Constantes", ambientado em Paris, em maio de 68, com takes demorados e inexpressivos; o título da minha crítica seria "1968: O Filme que Não Acaba Nunca";

    7) "Os Guarda-Chuvas do Amor", musical onde todos os diálogos são alegremente cantados em canções anódinas, capaz de fazer qualquer um desistir de musicais;

    8) "Titus" uma das mais difíceis peças de Shakespeare, tornada intragável por Julie Taymor;

    9) "A Reconquista", com Travolta e Forest Whitaker fazendo o papel de alienígenas rastafaris (!);

    10) Certos diretores não poderiam 'cometer' alguns filmes: "Gangues de Nova York" do Scorsese, "Goya em Burdeos" e "Tango, no me dejes nunca" do Saura.


    (O Globo, Segundo Caderno, 17.4.2008)
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