24.4.08


Cinema falado

Tendo apresentado a sua lista de Dez Piores Filmes, pôs-se a vossa colunista finalmente em sossego, convencida de que cinema é assunto leve diante do que se lê e vê atualmente; e eis que o céu lhe caiu sobre a cabeça, porque 1) há gente para quem cinema é assunto tão sério quanto religião, política ou futebol; 2) há gente que acha listas disso ou daquilo uma leviandade imperdoável; e 3) há gente que, não contente em ler um jornal inteiro de tragédias, nega à crônica o exercício de trivialidades que é, em última instância, a sua razão de ser.

No blog, onde os assuntos polêmicos costumam me dar muita dor de cabeça, a discussão continua até o momento, em grande forma e alto nível: nessa madrugada de quarta-feira, já são 279 comentários, entre os quais muitos filmes espaventosos foram rememorados e, em contrapartida, velhos favoritos saíram das gavetas de lembranças. Nem preciso dizer que os “piores” e “melhores” são, frqüentemente, os mesmos, dependendo apenas do ponto de vista de cada um.

Na mailbox do jornal, porém, as reações foram mais sérias. O leitor Sergio Varela, por exemplo, teve a gentileza de me escrever em particular, e explicou porque: “Não quis nem tentar publicar na seção "Cartas dos leitores" para não expor a senhora ao ridículo, preservando a sua privacidade, e poupando-a de outras mensagens mais indignadas e menos comedidas, mas prometa não fazer isso de novo, combinado?”

Antes, diz: “Se me permitir, quero recomendar que a senhora reveja (se é que os viu mesmo) os filmes listados para, ao menos, separá-los em categorias e conceitos. No seu lugar, eu voltaria ao assunto me retratando, reconhecendo meu contra-senso, separando o joio do trigo, reescrevendo o artigo.”

Está combinado, caro Sergio, prometo que nunca mais faço uma lista de piores filmes... pelo menos por uns tempos! Mas vou consultar a Convenção de Genebra em relação à sua recomendação, de que eu os reveja e de que me retrate: estou convencida de que deve haver ali um artigo qualquer contra este abominável excesso de crueldade.

Jorge Freitas, Luis Castro e Valeria Villaça talvez nem se conheçam, mas mostram-se igualmente preocupados com os efeitos perniciosos que a coluna possa ter sobre mentes, digamos, menos aprumadas. Luis Castro, ardente defensor de “Os guarda-chuvas do amor”, pergunta: “Quantas pessoas deixarão de ver o filme por causa do artigo que leram?” Não muitas, Luis, não muitas. Quem aluga hoje um filme de 1964 em vez do pipocão da semana é o equivalente do Século XXI dos ratos de cinemateca que éramos no Século XX. Se bem me lembro daquela época, críticas negativas eram até um incentivo para irmos atrás dos filmes...

Os mais polêmicos da lista foram “Amores brutos” e “Os guarda-chuvas do amor”, ambos com defensores ardorosos. Caracteristicamente, os fãs de “Amores brutos” escreveram emails ferozes, questionando a minha sanidade mental e, sobretudo, a sanidade mental dos editores do jornal, que, ora vejam só, me permitem emitir opinião tão sem noção sobre aquela obra-prima inquestionável; por eles, eu estava na rua, substituída por alguém mais bem preparado para o cargo.

Já os fãs de “Os guarda-chuvas do amor” mandaram emails gentis, expondo as razões porque tanto o apreciam e instando-me a vê-lo novamente. Foram tão simpáticos, aliás, que me convenceram de que devo estar errada: quando tanta gente bacana gosta tanto de um filme, alguma qualidade ele deve ter. Mateus Kacowicz lembrou dos tempos do Paissandu e dos filmes de autor, situou o diretor e fez uma síntese do filme: “É uma ópera. As pessoas dizem "Bom dia", ou "Que frio de cão!" cantando. Cinco minutos depois o espectador entra em "suspension of disbelief", entra no clima. As imagens explodem em cromatismo. Ambientes se sucedem, todos vermelhos, todos azuis, verdíssimos, cores hipersaturadas, beirando o surreal; Catherine Deneuve aos dezesseis anos; chuva fotografada na vertical, grossas gotas caindo sobre guarda-chuvas de todas as cores, uma história de paixão adolescente e amor maduro. Uma beleza que fala aos sentidos, à inteligência e à cultura.”

O Franklin da Flauta, outro querido, concorda em gênero, número e grau: “Jacques Demy ousou um bocado, ao apresentar como peça chave do drama a intervenção do exército francês na Argélia, fato que causa a ruptura do casalzinho feliz, numa época em que isto era assunto mais ou menos proibido na França. Quanto à música, é tratada com a maior seriedade operística, tanto no que concerne ao libretto, como na composição de Michel Legrand, laureadíssimo e respeitadíssimo no meio do jazz, à interpretação, dentre outras, por Christiane Legrand, à época primeira voz do não menos consagrado Les Swingle Singers. Embora tenha sido amigo pessoal de Jacques Demy, não me considero suspeito para emitir esta exclamação de espanto, pois antes disso sou músico há algum tempo, devoto desta arte onde não há semântica, nem a figura da mentira (no máximo, cadências deceptivas...) e para mim, “Parapluies” é um dos dez melhores! Já assisti umas cinqüenta vezes e sempre choro...”

Por conta disso, já tem gente lá no blog que concordava comigo revendo “Os guarda-chuvas do amor”. Quem sabe eu não aproveito o feriado e faço a mesma coisa? Depois eu conto.


(O Globo, Segundo Caderno, 24.4.2008)

Um comentário:

Anônimo disse...

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