Erros e acertos
Aventuras da semana: um filme horrívele uma peça emocionante
A sinopse parece interessante: um comerciante francês do século XIX viaja ao Japão em busca de bichos-da-seda e se apaixona pela concubina de um senhor feudal. A moral da história parece edificante: quantas vezes não vamos buscar o amor do outro lado do mundo quando ele está ao nosso lado? A trilha sonora parece boa: é assinada Ryuichi Sakamoto. As locações parecem espetaculares: pequenas cidades na Itália, vales e montanhas no Japão... Nada, em suma, prepara o pobre espectador para o que o espera em “Paixão proibida” (“Silk”, no original): 110 minutos do mais profundo tédio, martelados por um piano insuportável, atores sem carisma e uma direção tão desastrada que ninguém agüenta esperar pelos créditos. O filme, para dizer a verdade, não tem créditos, tem débitos.
Chega a ser surpreendente que uma obra que envolve tanta gente seja tão ruim. Em geral, alguma coisa, por pequena que seja, funciona, mesmo nos piores filmes – o roteiro, uma participação especial, a fotografia. “Elizabeth”, por exemplo, também não é um filme bom, mas é um pipocão de luxo com uma reconstituição de época que convence e que diverte muito. Mas em “Paixão proibida”, nem as paisagens funcionam. Não há química entre os atores, nem lógica no enredo. A língua também não faz o menor sentido. A história divide-se entre França e Japão. Na metade francesa do tempo, fala-se inglês. A metade japonesa começa, coerentemente, em japonês. Até que o senhor feudal com quem o protagonista negocia (através de intérprete!) passe, sem explicação, a falar num inglês impecável, sem sotaque.
Pode ser que, nos anos 30, quando Gary Cooper fez o papel de Marco Pólo num dos filmes mais implausíveis de todos os tempos, ninguém estranhasse uma China de estúdio povoada por anglo-parlantes; mas as platéias evoluíram desde então. Apesar da dublagem obrigatória de alguns países europeus e do grave analfabetismo auditivo dos Estados Unidos, não se entende mais um filme dito “sério” em que as línguas sejam varridas para baixo do tapete. No nosso mundo globalizado, a “música” dos idiomas é parte substancial da experiência cinematográfica, para bem ou para mal. Quem conseguiu assistir a “Kagemusha” dublado em italiano sabe disso; quem se irrita com “A flauta mágica” em sueco, também.
Mas o que estou dizendo? “Paixão proibida” está longe de ser um filme “sério”! É bobo, é pretensioso, e é, sem dúvida, o que vi de pior em muitos e muitos anos. Não serve nem como “trash”, para se assistir zoando.
* * *
Este filme, aliás, me deu o que pensar: quais filmes entrariam na minha lista de Dez Piores? Pois pensei, pensei e acabei chegando à conclusão de que esta é uma tarefa quase impossível, muito mais difícil do que a clássica lista de Dez Melhores, que nunca se consegue fechar com menos de 15 títulos. É que dos filmes excepcionais a gente se lembra constantemente; das bombas, esquece rapidinho. E isso, quando assiste até o fim, porque se tiver juízo sai do cinema enquanto é tempo. Bom, vou pensar mais um pouco. Aceito sugestões!* * *
Quando assisti a “No Natal a gente vem te buscar” pela primeira vez, no começo da década de 80, eu ainda estava a uma certa distância dos trinta. Só isso explica que tenha guardado da peça a impressão que guardei, não exatamente leve, mas de um espetáculo em que comédia e tragédia eram servidas em doses iguais à platéia. Afinal, aos vinte e tantos anos, a gente imagina como será envelhecer; passados os 50, a gente já sabe. Ou então, a memória é mesmo traiçoeira, e faz do passado o que bem entende. Vá saber!O fato é que a nova versão, com Claudia Jimenez, extraordinária, no papel que foi de Marieta Severo, me pareceu mais densa e melancólica. É possível que isso tenha a ver também com a idade do elenco: há sempre algo de cômico em crianças representando adultos e em jovens representando velhos, ao passo que adultos representando crianças são, sempre, um lembrete pungente da irreversibilidade do tempo.
Há, ainda, uma constatação inesperada -- “No Natal a gente vem te buscar” virou peça de época. A Solteirona, passiva, à eterna espera de que seu destino fosse resolvido pelos outros, ainda estava viva no interior quando Naum Alves de Souza a criou, embora já fosse espécime em extinção no Rio; o Primo idealista, morto pela repressão, também não existe mais. Numa adaptação para os dias de hoje, ele até poderia, eventualmente, virar traficante de drogas, mas aí suas aspirações (oops!) seriam outras, bem diferentes. Não, a peça está muito bem onde se encontra, e onde os figurinos sugerem: no final de uma era.
Duro é notar que essa era, que a minha geração viveu ainda outro dia, agora é período histórico...
(O Globo, Segundo Caderno, 3.4.2008)
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