13.9.07

"Você já leu tudo isso?!"
perguntam as visitas

Não, claro que não; tenho muitos livros para pouco
tempo. Mas um dia, devagarzinho, quem sabe?



Há 79 livros novos em cima da mesa de centro da sala, sem contar os livros grandes de figurinhas que os angloparlantes chamam, apropriadamente, de coffee table books, livros de mesa de centro, até porque ninguém consegue se aconchegar na cama com eles, levá-los para a praia ou balançar na rede, de cá pra lá, virando-lhes as páginas. Esses 79 livros são os candidatos à leitura, os que me interessaram por um motivo ou por outro, e que aguardam, pacientes, a sua vez na fila.

Há mais 28 livros ao lado da cama, na mesa de cabeceira. Esses são os que estou lendo. Alguns, sobretudo os de ficção, de enfiada; quando acabo vão para o escritório, onde não cabe mais nem um gibi, e onde as paredes clamam por mais estantes. A maioria dos livros da mesa de cabeceira, contudo, leio aos poucos, e simultâneamente. Nessa maioria, que às vezes passa meses a meu lado, há principalmente livros sobre algum assunto no qual eu esteja particularmente interessada.

Depois de uma temporada de exploradores africanos do Século 19, que me ocupou quase todo o semestre passado, despertada por uma releitura de Joseph Conrad, e alimentada sobretudo pelas obras de Henry Morton Stanley, Livingstone e Richard Burton, voltei ao que já havia lido de Darwin, a inevitável "A origem das espécies". Aos poucos vou atravessando "O diário do Beagle" e "A descedência do homem". O culpado por essa fase é Richard Dawkins, célebre darwinista e um dos meus grandes ídolos.

Tudo isso é, garanto, leitura fascinante. Tanto os velhos exploradores ingleses quanto Darwin escreviam para o público em geral, e venderam milhões de exemplares ao longo do tempo. "A origem das espécies", por exemplo, é dos raros livros que, desde a sua publicação em 1859, nunca esteve fora de catálogo. O estilo de Darwin não é "apenas" bonito, é de uma clareza absoluta, e o que ele descreve é, pura e simplesmente, a maior aventura científica e intelectual de todos os tempos. Acrescente-se o contexto histórico, e é impossível deixar de sentir um frio na barriga ao imaginar o que não lhe passou pela cabeça ao perceber a enormidade do que tinha diante de si. Negar a criação apresentando provas tão contundentes é pôr em dúvida a própria existência de Deus — em quem, de resto, Darwin acreditava piamente. Leio-o com assombro e encantamento,vou e volto entre os livros e os capítulos, como quem come uma barra de chocolate bem aos pouquinhos, para que não acabe nunca.

Tirando os livros que me entretém por longas temporadas, os outros que me cercam são uma mistura eclética em que convivem policiais, biografias, poesia, ficção e até auto-ajuda: acredito que um dia ainda vou encontrar livros que me transformem numa pessoa organizada e, sobretudo, eficiente no controle das despesas. Já perdi a conta de quantos desses livros passaram pela minha vida, até aqui sem resultados; mas não desisto e, quando encontro a última novidade no gênero, trago-a para casa. Nem preciso dizer que, com isso, aumento a desordem e diminuo a conta bancária; mas assim é a vida, cheia de paradoxos.

Muitos dos livros que se espalham pela casa recebo dos autores ou das editoras. Chegam mais rápido do que consigo folheá-los e, em tese, deveriam ser suficientes para o meu consumo. O problema é que há sempre mais um livro, e outro, e um terceiro, todos indispensáveis à minha sobrevivência. A Amazon e a Fnac.fr estão a clique do mouse, a Travessa e a Argumento ficam logo ali, em viagens livrarias estranhas me tentam de todas as maneiras. "Livros suficientes" não é uma expressão que a minha alma aceite; "livros demais" é um paradoxo, porque, como se sabe, livros nunca são demais.

Às vezes, a Bia ou a Mamãe ficam indignadas com o estado da casa.

— Isso não é possível! — exclama Mamãe. — Você é igual ao seu pai. Não se pode ocupar todos os espaços de uma casa com livros!

Relembro nossa casa no Bairro Peixoto, onde precisávamos tirar livros das poltronas e quiséssemos nos sentar, e não consigo reprimir um sorriso de felicidade.

— Mãe, isso é ridículo! — protesta a Bia, que luta, em outro front, com um marido que tem o mesmo hábito. — Não acredito que você comprou mais livros?!

Explico que há livros que me interessam e que amanhã talvez não se encontrem, explico que é preciso tirar partido do dólar barato, explico que o simples fato de conviver com certos livros faz bem à saúde. Não adianta. A Bia não se convence (mas, assim como quem não quer nada, acaba fazendo uma boa colheita pelas estantes).

A verdade é que encaro minha biblioteca como um investimento para o futuro. Vejo o estrago que o tempo e os impostos fazem no meu salário, vejo amigos apertados por aposentadorias insuficientes, e morro de medo de, um dia, não poder me dar ao luxo de comprar livros. Ou, Deus me livre!, de ficar sem nada para ler. No momento, acho que estou garantida por uns dez anos sem livros novos; a continuar nesse ritmo, em breve terei garantida a eternidade de que necessito.


(O Globo, Segundo Caderno, 13.9.2007)

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