27.9.07


Tchau, Oi!

Quem dera... Cancelar uma linha fixa é mais difícil
do que tirar o Renan Calheiros do Senado



A Bia, espécie de Alan Greenspan aqui de casa, olhou as contas.

-- Mãe, não estou entendendo.Você não fez nenhuma ligação por essa linha?!

-- Não, não estou mais usando. Mas não sai tão caro.

-- Você é que acha. Está aqui: R$ 46,41.

-- Então. Não é caro.

-- Para um serviço que você não usa?! Você está maluca. De R$ 46,41 em R$ 46,41, você acaba dando mais de quinhentas pratas por ano de presente para a Oi. Mais exatamente, quer ver? R$ 556,92, olha aqui na calculadora. O dinheiro é teu, você é quem sabe, mas mesmo sem pensar posso te dar um monte de sugestões mais interessantes para gastar a grana...

-- Hmm. Eu não tinha pensado assim, no atacado. Vou cancelar hoje mesmo.

Bia ficou muito orgulhosa da minha disposição econômica e, depois de verificar que não havia outros vazamentos indevidos no orçamento, deu a missão por cumprida e foi embora. Quanto a mim, assim que entrei no táxi liguei para a Oi. Tiro n’água: não aceitam cancelamentos por celular. Aí me esqueci do caso e, quando lembrei, já se haviam passado vários dias. Antes que a Bia perguntasse do desenrolar da história, escrevi um lembrete com batom no espelho e, naquela noite mesmo, assim que cheguei, liguei para o 103 31 do único fixo que funciona na casa, um aparelho com fio que fica na cozinha. O sem fio do escritório, que seria cancelado, estava com a bateria descarregada.

Tenho horror de ligar para call centers mas, considerando a propaganda que a Oi tem feito para convencer a humanidade de que é uma companhia moderna, o processo talvez se provasse indolor. Sentei no chão, apoiei as costas contra a parede, e ouvi a voz da minha querida amiga Débora Bloch na gravação.

Disquei o algarismo recomendado. Uma voz diferente me informou que a fila para o atendimento estava demorando mais de três minutos. Muito gentil da parte deles. Ouvi (algumas vezes) a Déb explicando que agora tudo estava muito simplificado na Oi; ao cabo de uns minutos, depois de outra voz informar que a ligação estava sendo gravada, um rapaz atendeu, perguntou com quem falava, o número do telefone, o que eu queria, o número do meu CPF e a minha data de aniversário. Pediu um minutinho para me transferir para outro setor. De novo entrou a voz da Deb, acompanhada por uma musiquinha de dar nos nervos. Ouvi a gravação de ponta a ponta mais meia dúzia de vezes. Amo a Débora, mas prefiro ouvi-la representando Tchecov.

Uma moça atendeu! Perguntou com quem falava, o número do telefone, o que eu queria, o meu CPF, a minha data de aniversário e por quê eu queria cancelar a linha. Depois de agradecer as informações, me pediu um minutinho, enquanto me transferia para outro setor.

Contei o número de azulejos da parede. O número de vidrinhos de tempero. Os ladrilhos do chão. Roubei os pedaços de cartão espalhados para os gatos, para ver se, em cima deles, me sentia mais confortável. Não me sentia. Devolvi a Favela Gato aos seus proprietários intrigados: como todo mundo sabe, o lugar de ficar no chão é na sala, em cima do tapete.

Nova moça. Perguntou (mas como é que vocês adivinharam?) com quem falava, o número do telefone, o que eu queria, o meu CPF e a minha data de aniversário. Pediu um momentinho. Dessa vez, a Deb ficou de fora. Só silêncio. Eu disse “Alô?”, ela respondeu “Um momentinho, Cora”. Pelo menos, não era “senhora Cora”.

-- Temos uma data de aniversário diferente registrada aqui.

A Deb voltou ao ar. Nessa altura, na falta do que contar na cozinha, comi uma banana, guardei as outras na geladeira, me deitei ao comprido no chão e fiz exercícios de alongamento, enquanto repetia internamente, como um mantra, que a paciência é a maior das virtudes. De eternidade em eternidade, uma voz desconhecida dizia que o tempo de espera para o atendimento era superior a três minutos. Não se pode acusar a Oi de faltar com a verdade.

-- Qual é a sua solicitação?

-- Cancelar a lin... mas o que é que você estava fazendo até agora?!

-- Alterando os dados.

-- Que dados?!

-- A sua data de nascimento confere com a da Receita. Nosso registro está errado.

-- Eu quero cancelar uma das minhas linhas.

-- O nosso sistema não está aceitando a troca da sua data de aniversário. Infelizmente vou ter que pedir a você que ligue novamente daqui a três dias úteis.

Ainda me falta muito para atingir a perfeição. Explodi.

-- Escuta, se vocês não tem a minha data de nascimento certa, o problema é de vocês. Não quero flores nem telegramas de aniversário, quero apenas cancelar minha linha de telefone. Já comprei celular e já contratei Internet com vocês, e essa bendita data nunca foi problema.

-- Ah, mas para cancelar tem que estar tudo certo.

-- Não quero saber. Já estou pendurada nesse telefone há uma hora. Quero falar com um supervisor.

-- Vou transferir, um minutinho.

Respirei fundo, bebi um copo d’água e, enquanto ouvia a Deb por mais dez minutos, me sentei na posição de lótus e fiz uns exercícios mentais de auto-controle que li numa revista outro dia.

-- Setor de qualidade. Com quem estou falando?

-- Com uma cliente indignada, à beira de um ataque de nervos.

A atendente queria uma resposta mais concreta. Fazia sentido. Se todo mundo que liga para o 103 31 passa por isso, a coitada só fala com gente atacada. Dei as respostas. Fui transferida de novo e, novamente, repeti tudo. Àquela altura, mordida pela raiva, estava decidida a ir até o fim; eu cancelava aquela linha nem que tivesse que passar a noite grudada ao telefone. Amarga esperança: eu estava usando um telefone Oi e, é claro, a ligação caiu. Aos 155 minutos, enquanto a Débora Bloch me explicava, pela centésima vez, que convergência é juntar celular, fixo, internet e outras coisas no mesmo saco.

Não é não, Deb, não é não.


(O Globo, Segundo Caderno, 27.09.207)

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