Maria Antonieta volta ao assunto
Na Gávea, moradoras antigas são despejadas porrecém-chegado sem princípios e por juiz relapso
A crônica da semana passada, a respeito das burcas cariocas, rendeu muitos emails e muito papo no blog. A imensa maioria dos emails veio de leitoras solidárias, reclamando da dificuldade de encontrar roupas para gente não-anoréxica e, surpresa, até para magrinhas com formas; a solitária exceção foi um leitor indignado, dizendo-se amargamente desapontado por me encontrar às voltas com papos mulherzinha, enquanto o país marcha lenta e inexoravelmente para o brejo.
"Quem tem o privilégio de ter um espaço como o seu na imprensa tem a obrigação de prestar atenção ao que acontece no Brasil", -- trovejou o cavalheiro. "O país está sendo assaltado na nossa frente e a senhora, como Maria Antonieta, se dedica a futilidades."
Maria Antonieta, moi?! Ora, ora. Eu aqui nesse esforço desgraçado para fazer de conta que, apesar de "tudo isso que aí está", a vida continua, como em qualquer país decente, e o cidadão exigindo mais meia página semanal de misérias... que ingrato!
Além do quê, foi exatamente por prestar atenção ao que acontece no Brasil que escrevi sobre as novas roupas lindas, larguinhas e confortáveis. Nem só de misérias vive a Pátria, caramba; às vezes há boas notícias. Qualquer mulher que tem ido às compras pode confirmar.
Finalmente, só para constar, a moda está longe de ser uma futilidade -- seja em termos econômicos, culturais ou, como era o caso, emocionais. Acho que poucos homens têm a exata noção do estrago que um provador de loja fashion pode fazer à auto-estima feminina.
De todos os emails e comentários, o que mais me agradou foi o da Luciana Perez, que não só falou dos problemas do lado de lá do balcão, como deu ótimas dicas:
"Trabalho com moda há muitos anos. E concordo: é difícil produzir e comprar roupa para nós assim com aquela idade indefinida "somewhere between forty and death", como minha mãe adorava dizer. Aqui na Terra Brasilis temos o problema de custos: o dinheiro custa muito e não é possível ter estoques grandes com numeração de 38 a 50. E não é que a gente compra roupa que fica bem em quem é mignon, e outros modelos para quem veste 46, e justamente quem veste 50 quer aquela calça marinheiro cheia de botões para condecorar a pança?!
Muitas, muuitas vezes me pergunto por que não vendo empadinhas. Quatro sabores e tudo do mesmo tamanho!
A moda é mesmo feita para quem é jovem, mas não estamos fadadas a nos vestir de velhinhas. Quando vou a São Paulo ver meus fornecedores, e me mostram produtos teen, eu digo: "Não, minha clientela é mais velha..." "Jovem senhora?""É, jovem senhora como eu!" Daí todos se coçam sem saber o que fazer. Não é para a gente se vestir exatamente da nossa idade... mas realmente também não é para deixar a barriguinha (a minha é o estacionamento da Ambev) caindo sobre o cós das calças! Então, aconselho:
Meninas: meio termo. Moda é proporção. Não é para sair de santropeito, nem continuar nas ombreiras (cintura alta já voltou, e as ombreiras provavelmente vão nos assombrar novamente). Calça logo abaixo do umbigo altura 21! Blusa de malha longa e deixa tudo "franzido" na região que foi cintura e quadril! E sim, by all means, comprem todas as blusas manga morcego, folgadas, porque uma vez que elas se forem, levarão duas estações ou mais para voltar."
* * *
Vocês não têm idéia da quantidade de histórias horripilantes envolvendo animais que chegam à minha caixa postal. Gostar de bichos e defendê-los, no Brasil, é garantia certa de coração partido. É como se a insuportável violência entre humanos com que convivemos justificasse as barbáries sofridas pelos animais, e anulasse toda e qualquer arbitrariedade contra eles cometida.Seus defensores enfrentam o descaso das autoridades, a ignorância da população e a incompetência generalizada que corrói o Brasil. Quando escrevem para o jornal, o fazem em desespero de causa; em geral, já percorreram todas as vias legais, e sentem-se frustrados e impotentes diante da indiferença oficial.
Agora mesmo, entre emails que denunciam o abandono das aves da Praça Nossa Senhora da Paz e um projeto de lei dos vereadores de São José do Rio Preto, que pretendem proibir a alimentação de animais de rua (!), encontro a mensagem aflita de uma amiga que mora há mais de 30 anos no condomínio Parque da Gávea, condenado na Justiça a pagar indenização ao namorado de uma moradora que alega que três gatinhas comunitárias teriam arranhado o seu carro -- um veículo de 2001, que mostra bem cada ano de uso.
O pior não é o pagamento da indenização; é que, na mesma sentença, o juiz deu ao condomínio 48 horas para se desfazer das gatinhas. Em suma: três quadrúpedes de 16, cinco e quatro anos, respectivamente, que passaram todas as suas pacatas vidinhas no condomínio, foram despejados porque um bípede de passagem, decidido a levar vantagem em tudo, encontrou um juiz arbitrário e relapso, que nem ao menos se deu ao trabalho de descobrir se os tais arranhões foram feitos a) dentro do condomínio; e b) por gatos.
Agora, me digam: quem são os animais nessa história?!
(O GLOBO, Segundo Caderno, 31.5.2007)
Nenhum comentário:
Postar um comentário