27.3.06


Desculpem o atraso na publicação; é que lá em Floripa não me sobrou tempo para subir esta coluna, da quinta passada.


O universo ao meu redor

Gatos, manias e um lindo CD que não pegou o espírito da coisa

Taí: nada como confessar publicamente manias esquisitas para se sentir uma criatura perfeitamente normal! Depois da crônica da semana passada, em que listei cinco de meus hábitos esquisitos, recebi uma enxurrada de manifestações de solidariedade -- a maioria de donos de animais, me assegurando que falar com bichos não tem nada demais, muito antes pelo contrário. Esquisito -- como sempre achei e, pelo visto, acham também os leitores -- seria ter um animal de estimação e não dirigir-lhe a palavra.

Essas manifestações não me surpreenderam. Afinal, quem convive com animais sabe como o diálogo com eles é importante. Claro que ninguém vai discutir Kant ou Joyce com o gato de estimação (até porque o gato, caso se dignasse a falar, daria um banho na conversa), mas não há dúvida de que nossos quadrúpedes gostam de ouvir a voz humana, e se não entendem o que dizemos no varejo, certamente entendem no atacado.

Confesso, porém, que fiquei muito surpresa com a quantidade de leitoras que, como eu, cultivam o estranho hábito de comprar cremes e maquiagens que não usam jamais. Isso eu realmente acreditava que fosse maluquice exclusiva da minha cabeça, mas não: há inúmeras mulheres que não resistem à sedução das embalagens, das cores, dos potinhos lindos... e depois deixam tudo na gaveta! Uma amiga me confessou que, ainda outro dia, jogou fora quinze batons, porque perderam a validade. Todos virgens.

Houve quem atribuísse o hábito a cobranças de família por um pouco mais de vaidade, mas não sei se é por aí; lá em casa, ao contrário, o que sempre se ressaltou foi o mal que cosméticos podem fazer à pele. Em suma: o mistério continua. Ouso dizer que aí está um bom desafio para psicólogos, antropólogos e estudiosos dos hábitos humanos em geral.

* * *

Tanto entre as cartas que chegaram ao jornal quanto nos comentários do blog, levei puxões de orelha por gostar da Lancôme, que pertence à L'Óreal, que testa seus produtos em animais. Peço sinceras desculpas por isso. Nada, absolutamente nada, justifica que se torturem seres vivos por conta da nossa vaidade, sobretudo se levarmos em conta que há empresas de cosméticos que conseguem produzir produtos maravilhosos como MAC, Clinique ou O Boticário sem maltratar criaturas indefesas.

Aliás, a venda da Body Shop para a L'Óreal podia ter sido acertada por Duda Mendonça, o especialista em tapear otários. A Body Shop, como vocês sabem, é aquela empresa inglesa ecologicamente correta, que sempre praticou o bom-mocismo ambiental e cultural, comprando matéria prima direto de produtores, de preferência tribos indígenas, e usando suas vitrines para manifestações políticas e sociais.

Sempre foi a loja favorita de pessoas de cabeça feita, preocupadas com o meio-ambiente. Que a L'Óreal tenha tido vontade de comprá-la entende-se; mas que ela tenha se vendido justamente para a sua antítese é a prova de que seus "valores" não passavam de uma hipócrita jogada de marketing.

Que gentinha.

Millôr, que é um sábio, bem que vive avisando:

"Desconfie sempre do idealista que lucra com o seu ideal."

* * *

E, dos lados da PUC, vem -- ufa! -- uma ótima notícia. Quem me contou foi Claudio Téllez, um dos protetores dos gatos do local, que semana passada participou, junto com Claudia Pinheiro, Claudio Alberto Téllez (seu pai e ex-professor da PUC) e Flavya Mendes-de-Almeida (especialista em populações felinas e coordenadora veterinária da WSPA Brasil) de uma reunião na prefeitura do campus com a supervisora de administração da divisão de serviços gerais, Silvia Murtinho, e Marcos Antunes, funcionário da mesma divisão.

O assunto foi, como não podia deixar de ser, a população felina do campus.

Na ocasião, foi devidamente escrito, assinado e carimbado um documento em que a PUC-Rio se compromete a "construir, em local apropriado, um abrigo para os gatos, colocar uma caixa de areia para dejetos e assumir a responsabilidade pela alimentação deles."

Os protetores aceitaram a proposta, o que me leva a crer que este abrigo não será uma câmara de horrores como o famigerado "gatil" do Jockey. Flavya Mendes-de-Almeida sugeriu que as gatas fossem castradas, e a supervisora não só concordou com a medida como se propôs a procurar veterinários para ajudar a universidade nesse sentido.

Civilizado, digno, humano. Assim é que se faz.

* * *

Sei que é chover no molhado, mas não posso deixar de elogiar "O universo ao meu redor", da Marisa Monte. É um CD delicado, delicioso, um encanto só -- que, entre outras maravilhas, revela um surpreendente lado sambista de Adriana Calcanhoto, artista que se supera a cada temporada.

O CD é um primor de cuidados, da apresentação aos arranjos. Infelizmente, tem um defeito imperdoável: proteção contra cópia para iPods, incompreensível a essa altura do campeonato. Para que penalizar justamente os consumidores tementes a Deus que o compraram, quando é tão fácil baixá-lo da internet e passá-lo para o iPod sem qualquer perrengue?

Grande, imenso gol contra, que o lindo trabalho de Marisa Monte não merecia.

(O Globo, Segundo Caderno, 23.3.2006)

Nenhum comentário: