Cada doido com sua mania
A internet é cheia de maluquices, algumas mais malucas do que as outras, algumas até divertidas. Volta e meia pipocam entre os blogs, por exemplo, e-mails pedindo aos destinatários que revelem algo a seu respeito, e que encaminhem as perguntas a outras cinco ou seis vítimas. São quase correntes, mas sem as chantagens irritantes do gênero, e com um jeito simpático de jogo. Ao longo desses anos todos, já falei de livros e filmes favoritos, de objetos ou pessoas que levaria para uma ilha deserta, de coisas de que gosto porque gosto, de coisas que não faria por nada no mundo. Comparar as listas é sempre interessante, e dá pano para as mangas nos comentários.A mais recente dessas brincadeiras nasceu em Portugal, e pede aos bloguistas, que é como se chamam os blogueiros de lá, que enunciem cinco manias suas, "hábitos muito pessoais que os diferenciem do comum dos mortais." Achei engraçado, topei, mas confesso que tive certa dificuldade em diferenciar mania do que me parece comportamento perfeitamente normal -- como, por exemplo, conversar com os gatos. Eis o que respondi:
1. Tenho mania de telefone celular; não é apenas deformação profissional, é mania mesmo. Apesar de só ter dois ouvidos, como todo mundo, tenho uma meia dúzia deles: não tenho coragem de pôr fora os antigos. Nunca saio de casa sem carregar pelo menos dois. Um dia desses saí correndo, esqueci de pegá-los, e quase parei numa operadora no meio do caminho para comprar outro deste artigo de primeira necessidade sem o qual me sinto completamente desconectada. Felizmente, um raro lampejo de lucidez, aliado a um rombo glorioso no banco, me fez ver o absurdo da coisa.
2. Tenho mania de livros e DVDs. Tenho mais de uns e de outros do que jamais conseguirei ler e/ou ver, mas não resisto e acabo gastando horrores nisso. Minha desculpa: é que acho que quando me aposentar não vou ter dinheiro para tais extravagâncias, e estou garantindo o meu futuro.
3. Tenho mania de me deitar no chão da sala para ouvir música e conversar com os gatos. Horas a fio.
4. Tenho mania de sabonetes e shampoozinhos de hotel. Tenho montes. Aí, quando vou tomar banho, olho para os potinhos enfileirados e penso: "Para onde é que eu vou hoje?" Fecho os olhos, e o potinho e o cheiro me levam de volta aos lugares por onde andei.
5. Tenho mania de maquiagem chique e estou convencida de que, dentro de mim, vive uma perua ensandecida louca para se manifestar. Gasto pequenas fortunas em produtos de beleza. Às vezes esvazio as gavetas em cima da cama e passo horas entretida com meus ricos tesourinhos, arrumando-os ou por tipo (lápis, blush, batom) ou por marca (Guerlain, Lancôme e Mac, minhas favoritas). O único problema é que... não uso maquiagem!
* * *
Este último item me deu o que pensar. Usar maquiagem não é uma imposição da moda ou da publicidade, embora elas ajudem -- e muito -- no processo. Mas as egípcias já se pintavam há seis mil anos, bem antes da sociedade de consumo e, ao que eu saiba, não há registro de uma única cultura ou civilização em que não se pintasse corpo e rosto. Portanto, algo mais profundo do que os outdoors me leva a isso; agora só me falta descobrir por que praticamente não uso essas coisinhas tão tentadoras, cheirosas e bem embaladas.* * *
Enquanto a gente fica inocentemente brincando de manias bobas na internet, coisas perversas acontecem no mundo real. Não bastasse a perseguição implacável que o Jockey Club vem movendo aos pobres gatos que lá são abandonados, agora foi a vez da PUC mostrar que não é lá muito católica.Como praticamente todas as colônias de gatos de rua, a da PUC também tinha seus protetores, que os alimentavam, vacinavam e conheciam um por um. Sabe-se lá por quê a direção da universidade -- que é uma instituição de ensino, e como tal deveria dar exemplo de respeito à vida -- cismou com os bichinhos. Ameaçou envenená-los mas, provavelmente com medo da repercussão negativa que teria um morticínio de tal monta, simplesmente recolheu os coitadinhos e despejou-os, sem mais nem menos, no Parque da Cidade.
Ora, estamos falando aqui de seres vivos que nasceram e cresceram naquele ambiente, onde recebiam afeto e cuidado, e onde conheciam cada centímetro quadrado. Uma das gatinhas despejadas tinha 18 anos, o que, em termos humanos, equivaleria a jogar um ancião centenário no olho da rua. Pelo menos cinco gatos morreram durante a ação truculenta desta "escola" que se quer cristã (!); os protetores, aflitos, temem, com razão, pelo destino dos demais.
É assustador como, cada vez mais, quem devia dar exemplo neste país faz exatamente o contrário do que se espera. Da PUC, supostamente civilizada e humana, eu esperava generosidade, tolerância e compaixão. Afinal, educar não é só cobrar a mensalidade dos alunos; é, entre outras coisas, demonstrar, na prática, como devemos proteger os mais fracos e como fica mais rica a nossa vida em harmonia com a natureza e com os animais.
(O Globo, Segundo Caderno, 16.3.2006)
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