3.12.04



O dia da árvore: que festa! E que ressaca...

A noite de sábado foi de total indecisão para mim. Assistia à festa de inauguração da árvore de Natal da minha janela, ou ia até lá? Se fosse, assistia 1) coladinha à margem, local privilegiado para fotografar os fogos; 2) do meio da muvuca que, às seis da tarde, já se configurava imensa; ou 3) do elegante camarote do patrocinador, para o qual tinha convite? Havia ainda a possibilidade de ir às casas de diversos vizinhos, já que está virando tradição o povo da Lagoa receber amigos e familiares no Grande Dia, assim como faz o povo da Atlântica no Réveillon.

Mergulhada em dúvidas, preferi descer e explorar as possibilidades lá de baixo; não levei o cocar nem a borduna porque programa de índio na porta de casa, convenhamos, não chega a contar milhagem na categoria. Afinal, se a coisa desanda, basta atravessar a rua e voltar para o recesso do lar.

Assim que pisei na calçada, porém, levei um susto. Nunca vi tanta gente na Lagoa; era quase impossível andar em meio à multidão compacta. A duras penas cheguei à beira d?água, onde encontrei um colega estrategicamente encastelado; ele estava fotografando para o banco, e ocupava, com denodo, os últimos milímetros de terra. Conversamos um pouco, fiz fotinhas do clima e fui em frente.

Outro susto: o Parque do Cantagalo era uma réplica da Central do Brasil, sem tirar nem pôr. Ao longo do que, em dias normais, chamamos de ciclovia, havia barraquinhas de tapioca, milho cozido, açaí, acarajé, salsichão, churrasquinho, frango com catupiry, cachorro quente (incrementadíssimo), queijo coalho, doces variados do Sul (?Se não gostar não paga?, diz a propaganda autoconfiante), pizza na lenha, espetinho de camarão, sanduíches diversos, caipirinhas de fruta, cerveja, refrigerantes, sorvetes artesanais e Kibon, que mais? ah, empadinhas, algodão-doce, coxinha e pastel. Isso que eu vi em comes e bebes, mas muita coisa deve ter me escapado.

Havia também os onipresentes vendedores de bijuterias, ambulantes oferecendo pulseiras e colares que brilham no escuro, falsas tatuagens e óculos escuros (?), mais uma pá de gente trabalhando com brinquedinhos de todos os tipos, de bichos de pelúcia àquelas cobras e lagartos de papel que se mexem sozinhos quando puxados por uma cordinha.

Em suma, uma confusão miserável -- mas, no fundo, pelo menos para mim, muito divertida: a própria festa do interior, plantada em pleno coração da Zona Sul. O Rio tem dessas coisas, que a gente não sabe se curte pelo inesperado ou lamenta pela desordem. Na dúvida, recomendo curtir.

Fiz fotos das barraquinhas e fui para o camarote VIP. Todo mundo chique demais, a vossa cronista de jeans e camiseta, o bípede despencado por excelência -- mas tudo bem. Com aquela árvore brilhando lá na frente, quem é que ia olhar para mim?

Achei um cantinho bom na frente do camarote, sentei no chão e fiz um monte de fotos.

Quando o concerto e a queima de fogos acabaram, me despedi dos anfitriões e voltei para a muvuca, que estava irresistível. Jantei um acarajé maravilhoso e um Chicabon, bebi água-de-coco e, uma hora depois, voltei para casa, exausta.

Os gatos me receberam com exageradas manifestações de apreço.

Bia explicou que, durante os fogos, eles ficaram inteiramente zuretas, correndo de um lado para outro. Buscavam refúgio no quarto, mas o barulho dos fogos ecoava na pedra; fugiam para a sala, mas lá, além do barulho, havia aqueles clarões de luz...

Coitados dos quadrupinhos !

Além deles, fiquei -- e ainda estou -- muito preocupada com os outros bichos do Cantagalo. A capivara não deu as caras; teve juízo para ficar quieta na sua manilha, mas imagino como não ficou assustada, a pobrezinha.

Com exceção dos bem-te-vis, nenhum dos pássaros apareceu no dia seguinte, o que não seria tão grave se alguns não estivessem chocando. Não sei como vai ser isso daqui para a frente. O que não era problema até há pouco tempo, agora é preocupante: a quantidade de aves aumentou muito no ano passado. Como será possível conciliar a festa da árvore, que é tão bonita, com o bem-estar das criaturinhas?

Na segunda, passado também o temporal de domingo, a quantidade de lixo era indescritível. Ainda assim, aos poucos, todo mundo foi voltando: garças, socós, viuvinhas, quero-queros...

Eu não vi, mas me disseram que, tarde da noite, até a capivara, muito cabreira, apareceu rapidinho para um lanche, antes de sumir novamente na escuridão.

(O Globo, Segundo Caderno, 2.12.2004)

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