6.12.04



Admirável mundo novo

Um homem conclama as tropas ao combate. Mostra um esquema de ataque com três linhas verticais e duas horizontais, defende a agressividade e sonha em liquidar com o adversário. Onde estamos? No campo de Hastings? No vestiário do Maracanã antes da final de um campeonato? Num ponto remoto do Iraque?

Nada disso. Estamos numa sala de reuniões do Eco Resort de Arraial D'Ajuda, na Bahia, na abertura do Summit 2005 da Avaya. O homem é Márcio Mattos, presidente da empresa no Brasil, falando para uma platéia de distribuidores e desenvolvedores de sistemas; e a batalha em que está metido é das mais encarniçadas do mundo globalizado. Afinal, a Avaya trabalha com telefonia IP, aquela que usa a internet como base -- uma área extraordinariamente promissora, onde, neste momento, começam a se definir os nomes que vão dar as cartas daqui para a frente.

A Avaya está muito bem posicionada no cenário. É descendente direta da ATT por parte da Lucent, que nasceu numa das divisões da companhia -- e da qual se separou há cerca de três anos, seguindo a tradição familiar, por assim dizer. Ela desenha, desenvolve e administra as redes de comunicações para mais de um milhão de empresas no mundo todo. Mas disputa a liderança do mercado com a Cisco, uma das empresas mais competitivas de um setor que não é propriamente de fritar bolinhos.

A palestra de Marcio Mattos termina com dois slides que arrancam gargalhadas da platéia: montanhas de sucata de velhos sistemas PABX. Parece cruel, e é; mas o avanço da telefonia IP é uma das conseqüências inevitáveis do desenvolvimento da internet. Assim como milhões de pessoas físicas estão usando o Skype para economizar nos interurbanos, por exemplo, milhões de pessoas jurídicas estão descobrindo que o uso da rede não só faz mais sentido econômico, como oferece soluções muito mais completas e interessantes do que as permitidas pelos sistemas de telefonia tradicionais.

Um dos casos mais interessantes é o da Jet Blue, empresa de aviação americana que, mais ou menos como a nossa Gol, tenta cortar custos onde é possível. Pois ela não tem um único escritório de reservas. Quando um passageiro disca o seu 0800, a chamada cai diretamente no computador de um dos agentes -- que trabalha, tranqüilo, na própria casa. O escritório, com tudo o que ele precisa, de contatos com a chefia e outros agentes a tabelas de preços e disponibilidade de vôos e lugares está ali, naquele computador.

Ele não precisa sair e enfrentar o trânsito para ter acesso às suas ferramentas de trabalho, e a Jet Blue não precisa alugar áreas comerciais. Todo mundo fica feliz ? sobretudo a Avaya, já que esta é uma solução impossível sem telefonia IP.

Claro que tudo isso está muito longe de nós, usuários finais, exceto pelo fato de se esconder por trás de várias interações do nosso cotidiano -- como quando ligamos para uma empresa e caímos no atendimento automático. É enervante, é material infinito para histórias de horror e para anedotas, mas o fato é que, na maioria dos casos, ninguém tem mais sequer o espaço físico para acomodar o número de pessoas que seria necessário para um atendimento 100% humano.

Tome-se o caso da Vivo, por sinal muito bem apresentado no Summit 2005. Eu nunca tinha pensado nisso, mas, de fato, como é que se atendem 26 milhões de usuários? Já me irritei muito com aquelas chamadas infindáveis que me mandam discar um se quero isso ou dois se quero aquilo, mas tenho que reconhecer que, quase sempre, consegui todas as informações de que necessitava sem precisar falar com ninguém. Pois por trás da voz que me manda discar isso ou aquilo, há telefonia IP.

De modo geral, soluções corporativas nunca despertam em mim qualquer sentimento de cobiça; a sua tecnologia é essencialmente prática, sem apelos supérfluos de consumo. Mas a Avaya desenvolveu um sistema chamado IP SoftPhone que é uma alegria: um cruzamento de software e aparelho telefônico que acompanha a pessoa aonde quer que ela leve o seu PC. Assim como um celular, só que via internet; plenamente funcional em qualquer canto de onde se possa fazer uma conexão -- e como ramal de uma central.

O funcionário de uma empresa que usa isso pode estar em casa, no camping ou na China, que tanto faz. Se alguém ligar para o seu ramal, lá estará ele -- que também pode chamar quem quiser como se estivesse logo ali, na mesa ao lado.

Quer dizer: com quatro míseros dígitos eu poderia teclar para o outro lado do mundo e acordar o Gilberto Scofield, nosso querido correspondente lá em Pequim. Não sei se ele ia gostar muito disso; mas eu ia adorar, com certeza.

(O Globo, Info etc., 5.12.2004)

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