1.5.03



Nada de novo sob o sol

Há uma caixa de correio eletrônico no centro dos meus pesadelos. Meu endereço de e-mail, publicado há mais de 12 anos aqui no jornal, hoje faz parte de tudo quanto é lista de lixo digital, de modo que a qualquer hora do dia ou da noite lá há centenas de porcarias uivando por atenção.

Neste momento, o contador marca 715 itens, dos quais 128 não lidos. Aqui e ali, entre ofertas de dinheiro fácil e receitas milagrosas para perder peso, brilham mensagens de verdade, cartas autênticas que peneiro na bateia, em minha insaciável curiosidade. Adoro saber o que estão pensando os meus incontáveis (porque não conto) leitores. O Xexéo conta — diz que tem 17 — mas está no ramo há mais tempo.

* * *

Na banda boa da caixa postal teve muita coisa saudável esta semana. O Celso Barreto Neto, que funciona no meu fuso horário e manda e-mail às 4h52 da manhã, confirmou minha boa impressão da Ordem e Progresso:

“Como de hábito, li sua coluna de hoje e gostaria de fornecer algumas informações sobre a barraca Ordem e Progresso.

Sou freqüentador do mesmo trecho da praia que você e a Bia passaram a admirar. Jogo vôlei na rede que fica bem acima da citada barraca. A Ordem e Progresso é administrada pelo casal Jorge e Cris, sendo, sem dúvida, a barraca mais competitiva daquele trecho da praia.

Ao contrário das demais barracas, ela é a única que tem cardápio com preço e cobra os mesmos valores de turistas e cariocas. Ao contrário dos outros donos de barracas, Jorge tem extrema consciência do seu papel como fomentador do turismo. Uma última informação: os aventais usados pelos funcionários foram feitos pelo próprio Gilson Martins, freqüentador e admirador da barraca.”

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No domingo passado, Jorge e Cris vieram conversar comigo. Estavam contentes, a coluna teve repercussão entre a clientela, as cadeiras saíram todas. São jovens, simpáticos e empreendedores: agora mesmo estão patrocinando uma happy hour musical, com um pessoal que canta muito bem e tem ótimo repertório. Recomendo. Pôr-do-sol sonorizado a clássicos da MPB põe-se melhor.

Os dois me contaram que os barraqueiros de praia enfrentam toda a sorte de dificuldades, dos previsíveis contratempos burocráticos à concorrência predatória, que acaba prejudicando o, digamos, “coletivo”: o turista que é esfolado num dia no dia seguinte se senta na canga, recusa sistematicamente tudo o que lhe oferecem na areia e vai se abastecer nos quiosques.

Jorge estava particularmente revoltado com dois casos recentes: uma conta de R$ 80 por uma cadeira, uma barraca, duas caipirinhas e uma cerveja, e uma piña colada servida no abacaxi que custou R$ 120 a um gringo incauto. Eu não disse nada mas, lá com os meus botões, me indaguei se quem pede um mico desses não merece. Piña colada servida no abacaxi?!

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Várias pessoas se interessaram por meu dedo: está bem melhor, obrigada. Ainda um pouco inchado, com duas manchinhas roxas onde foi fisgado, mas os cortes cicatrizaram. Nem precisa o Band-Aid.

Porém, a julgar pelos e-mails recebidos, ir à praia, que sempre me pareceu a mais inocente e saudável das atividades, virou esporte radical. Só perde pro skate. Tirando assaltos e furtos já rotineiros no estado a que chegamos, agressões por parte de cadeiras são a causa mais comum de domingo estragado.

Wanda Maria e Estela relataram acidentes iguaizinhos ao meu, mas somos minoria, porque fomos mordidas. As cadeiras preferem beliscar as pessoas nas partes mais beliscáveis. Ou, pelo menos, as cadeiras mais velhas, daquelas de dobrar, maioria absoluta no litoral carioca, fazem isso o tempo todo. Safadas.

* * *

Finalmente, não faltaram médicos para criticar o “atendimento”. Minha amiga Vania S. Souza, cirurgiã plástica, observou que gelo só em contusões, como, digamos, uma canelada no futebol, ou como analgésico, numa emergência. Gelo nos cortes dificulta a cicatrização. Vania dicet :

— O melhor, em extremidades (pé também), é colocar o local afetado para cima, acima do nível do coração: pára de sangrar na hora, e reduz o latejamento.

A regra de ouro é limpeza. Minha amiga doutora explicou que jamais se deve jogar dentro de uma ferida aberta algo que não se possa jogar também nos olhos:

— Nada de água oxigenada, álcool, Povidine, mertiolate “agora com clorhexidina”, etc.! Essas coisas queimam as pobres células que estão tentando trabalhar na reparação. Dentro da ferida só água ou soro fisiológico. E sabão na pele em volta. Ferida suja não cicatriza.

Já que a gente estava nisso, resolvi prestar um serviço à comunidade e perguntei a ela o que fazer em casos de queimaduras. Anotem:

— Nada de aplicar manteiga, nem pasta d’água, nem pó de café, nem nada, que só vai é doer, quando chegar no hospital e a gente tiver que remover tudo para poder avaliar a ferida.

Pronto: agora vocês estão sabendo.

Não há de quê.

(O Globo, Segundo Caderno, 1.5.2003)

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