25.11.02



Ainda a pirataria

Na semana passada, escrevi sobre um ponto que me irrita além de qualquer medida na luta contra a pirataria de software: a facilidade que tem a Associação Brasileira das Empresas de Software (Abes) em culpar tudo, do governo aos traficantes de drogas — exceto os preços abusivos, completamente distanciados da realidade brasileira, praticados por boa parte de seus associados.

Aparentemente toquei num nervo exposto, pois inúmeros leitores me escreveram, indignados com uma indústria que cisma em chamá-los de ladrões, mas não lhes dá alternativa alguma ao pirata amigo da esquina.

“Ao tentar migrar do Windows Millenium para o XP, tive o dissabor de saber que este sistema custa para nós pobres mortais a bagatela de mais ou menos R$ 800 nas lojas, enquanto na Avenida Rio Branco posso obter o mesmo sistema por R$ 10. Não quero ser pirata, por isso, não comprei do indivíduo na calçada, mas também não comprei na loja. Gostaria de deixar o meu protesto, esperando que um dia a Microsoft lembre-se de nós, para que possamos adquirir um produto legal”, escreveu Eliandro Roedel Marçal, resumindo o drama do usuário brasileiro. Um outro leitor, Otávio Frederico, fez uma comparação muito pertinente:

“Um programa da Microsoft não pode custar mais que um micro, como acontece no Brasil. Isso não existe. É como se o motor de um carro fosse mais caro do que o carro.”

“Como pagar centenas de reais pelo direito de pôr um Microsoft Office (por exemplo) em cada máquina?!” desespera-se Silvio Darci da Silva. “Alguém dirá que é preciso pagar o custo intelectual de quem desenvolve o programa. Certo, mas parece haver uma distorção quando isso tem o condão de transformar um homem até há pouco desconhecido na maior fortuna do planeta. E quando se fala dele, deve ser lembrado que o vice-presidente, o tesoureiro e uma infinidade de outros diretores devem estar com fortunas em 5º, 12º, 34º, 48º lugares no ranking mundial. Pensa-se muito na pessoa do presidente, mas é provável que as fortunas somadas dos subalternos ultrapassem a dele.”

Bingo! Há definitivamente algo de podre numa economia que permite a um pequeno grupo, de uma única empresa, acumular esta fortuna obscena. Os especialistas em mercado podem dizer que é assim mesmo, que a isso chama-se capitalismo, mas a isso eu chamo imoralidade.

Coincidentemente, no começo da semana passada, a M$ foi obrigada a divulgar detalhes do seu faturamento. Segundo o “Financial Times”, o seu lucro com o Windows é de 85%. É, vocês leram bem: 85 por cento. Isso significa que, depois de todas as despesas pagas — P&D, marketing, aluguel, luz, gás e telefone — a M$ fica com 85% de tudo o que fatura com o Windows. A título de comparação, a indústria de hardware dá-se por feliz e muito contente quando consegue margens de lucro de 5 por cento, já que habitualmente trabalha em torno dos 3% ou 4% — e não é, propriamente, uma indústria de pobretões.

É por isso que a M$ pode se dar ao luxo de perder US$ 120 em cada console Xbox que vende, ou de ter um prejuízo de US$ 33 milhões diante de um faturamento de US$ 17 milhões na sua divisão CE/Mobility — aquela contra a qual o Palm OS luta, neste momento, com unhas e dentes.

O GLOBO, 25.11.2002

Update: Vou pôr algumas msgs recebidas lá no jornal aqui, porque não há como publicar tudo lá.

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