12.5.11

Toda resistência é inútil




Patricia MM, que lê e comenta a crônica com regularidade, ficou aborrecida comigo porque, na semana do casamento real, resolvi falar do Instagram e, na semana seguinte, contar umas historinhas de usinas e intérpretes. Logo eu, queixou-se ela, que tinha escrito sobre o casamento do Charles e da Camila! No Twitter também sofri discreta pressão dos amigos: como é que eu não dizia nada sobre o assunto do ano, da década, quiçá do século?

O problema é que a emoção que o casamento despertava em mim era, justamente, a única que não leva a nada: tédio. Empolgação, nostalgia, admiração, tristeza, ternura, angústia, questionamento – tudo isso dá tuite, post, crônica. Irritação e indignação, então, dão mais ainda. Mas o que pode fazer uma cronista carioca com o mix de tédio e objetos horríveis gerados por um casamento real?

O caso de Charles e Camila, diga-se, foi completamente diferente. Todos estavam contra a união que, ao contrário, me parecia – e continua parecendo – perfeita. Camila foi feita para Charles e vice-versa. Quem sobrava na equação era a pobre Diana, que se casou com o príncipe e acordou com o sapo. Ora, há muito a se dizer a favor dos sapos e não menos a se dizer contra as princesas. Por exemplo, nunca se soube de sapo que aparecesse em público usando um chapéu como o da princesa Beatrice.

(Graças à internet, aliás, o chapéu ganhou vida própria. Quando se procura por ele no Google -- "princess beatrice's hat" – conseguem-se 933.000 resultados, e isso só em língua inglesa. Como qualquer celebridade contemporânea, o chapéu tem página no Facebook, onde, até terça-feira à noite, contava com 136.406 fãs, e chegou numa velocidade vertiginosa aos Trending Topics do Twitter. Numa espécie de resumo macabro das notícias da semana, o que mais se viu por todo o lado foram montagens de Osama Bin Laden usando o famigerado acessório.)

* * *

O Lucas e a Heliana estavam em Londres durante o casamento, e convidaram-se para a festa. Conseguiram sem maiores dificuldades um lugar com boa visibilidade, viram a carruagem com os noivos e o beijo no balcão, fizeram fotos com os seus celulares, ficaram bobos com a organização mais que perfeita do evento e terão um bocado de assunto para contar aos netos:

-- Eu vi o casamento desse rei ainda com a primeira mulher...

-- E como é que foi?

-- Muito bonito. A noiva estava de branco.

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Por acaso, acabei vendo o casamento num replay do GNT, no fim-de-semana. A locação evidentemente não podia ser melhor, o trabalho de filmagem e de edição foi de aplaudir de pé, a noiva é linda e estava esplendorosamente trajada, o noivo tem cara de pateta mas portava um uniforme garboso -- tudo, enfim, nos conformes. Muitas roupas diferentes todas iguais e, sobretudo, muitos chapéus perfeitamente ridículos.

Soube que os noivos pediram doações para instituições de caridade em vez de presentes. A medida podia ser estendida aos chapéus, que, pesquisei no Google, custam uma pequena fortuna: um Philip Treacy da coleção oferecida nas lojas pode chegar a R$ 4 mil, mas está claro que ninguém que é convidada para um casamento real usa chapéu prêt-à-porter. Os telespectadores perderiam um espetáculo bizarro, mas as instituições de caridade sairiam num lucro fenomenal. Fica aí a minha sugestão para a família real. Não há de que.

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Verdade é que, passada a festa, me causou muito mais impressão a foto fora de foco que a Heliana tirou da Samantha Cameron fazendo compras numa loja de roupas de classe média, sozinha, sem assessores ou seguranças. Samantha Cameron é a mulher do primeiro ministro, ou seja, a cena seria o equivalente a termos visto, no reinado passado, dona Marisa Letícia fazendo suas comprinhas na Totem ou na Cantão, discreta, desacompanhada e pagando do próprio bolso o que levou.

A diferença é que, em algumas partes do mundo, Inglaterra entre elas, a política é uma profissão como outra qualquer. No Brasil, os políticos sentem-se imediatamente ungidos pelos deuses, e logo postam-se acima de nosotros, mortais comuns. A eles tudo é permitido, tudo é dado, tudo é pago – de diárias em dia de folga a passaportes vermelhos, passando por carros de luxo, viagens de lazer e um séquito automático de puxa-sacos e seguranças, para que se sintam devidamente importantes.

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Uma vez cheguei a uma capital européia que o presidente Lula havia acabado de visitar. Amigos que trabalharam na sua recepção me contaram que ele passou dois dias no país, mas que a embaixada teve que desembolsar duas diárias a mais pela suíte presidencial do melhor hotel. Isso porque sua excelência se recusou a tomar conhecimento da proibição de fumar nos aposentos, e deixou o lugar tão empesteado que, à sua saída, tudo o que lá havia teve de ser lavado e desinfetado para poder receber o próximo hóspede. Cada diária custava alguns milhares de reais, mas e daí? A vontade era dele e o dinheiro era nosso, perfeita combinação num país de tolos.

Senti tanta vergonha alheia quando ouvi isso que tive vontade de me esconder debaixo do sofá. Não consigo imaginar uma pessoa com um mínimo de educação agindo assim, quem dirá um chefe de estado que, em tese, devia dar exemplo. Vexame à parte, que já é o suficiente, não deixaria de ser curioso saber quanto o país andou pagando, pelo mundo afora, por esse comportamento desqualificado do seu então supremo mandatário.

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Perguntinha básica: a Dilma fuma?


 (O Globo, Segundo Caderno, 12.5.2011)

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