3.12.09

Cães & gatos, Gatos & ratos

Hoje vi uma senhora alimentando os cães do túmulo de Humayun. Levava pão numa sacola e dava um para cada cão. Comentando o fato com um amigo chegamos, sem querer, ao mistério da falta de gatos de rua em Nova Delhi, onde, tirando os vizinhos, mal e mal vejo um que outro.

Nossa teoria: cães são onívoros, e conseguem sobreviver com os restos de comida que encontram ou com o que lhes é oferecido -- e que, quase sempre, é carboidrato ou mistura de vegetais.

Já gatos são única e exclusivamente carnívoros, e não têm muitas chances numa cidade onde há tantos vegetarianos.

Além disso, detalhe esquisitíssimo: não vejo rato em parte alguma.

Devo dizer, aliás, que não vi um único rato desde que cheguei, o que é super estranho, já que as condições locais são mais do que ideais para a sua proliferação -- há milhões de buracos para esconderijo, e montes de sujeira por toda a parte.

É verdade que estou numa das áreas mais elegantes e valorizadas da cidade, mas, em termos de ratos, isso não quer dizer nada. A Lagoa não é propriamente uma área ruim e tem ratos aos montes, para não falar na região do Lincoln Center, onde costumo ficar em Nova York, e onde eles fazem a festa.

Tenho um bom olho para bicho e acho difícil que algum, perto de mim, passasse despercebido.

Onde diabos eles se escondem?!

O país, ouvi dizer, está cheio de ratos. Há um templo só para eles, e pelo que li na internet, Nova Delhi tem, inclusive, um departamento especializado, ainda que ocioso: de acordo com uma notícia de 2005, nenhum dos caçadores oficiais capturou um camundo sequer em mais de uma década.

É um grande, grande mistério.

E não, não estou me queixando! Rato é um (raro) animal do qual não sinto falta.

* * *

Tenho postado várias fotos de cães de rua e noto que vocês acham que eles têm um jeito carente; o seu convívio com as pessoas, porém, me parece bem sossegado. Onde há gente há um cachorro por perto, ou dormindo ou olhando o mundo, distraído.

Todos muito na deles, muito donos do pedaço; e quase todos com aspecto saudável. Alguns são magrinhos, mas as pessoas com quem convivem também são.

Não falta comida, mas também não sobra.

Aliás, como observou a Marcela no post do Cocoberry, as porções indianas não são aquela obscenidade americana. Qualquer coisa que se compre vem na medida. A batata frita e a junk food em geral, que vêm em sacos enormes, dividem o espaço com um monte de ar.

Até a água vem, eventualmente, em garrafinhas pequenas, o que me deixa dividida: de um lado é ecologicamente correto, porque água não é para desperdiçar, mas de outro é ecologicamente péssimo, porque há mais PET em relação ao líquido.

* * *

Não vejo grandes efusões de afeto entre bípedes e quadrúpedes, mas não vejo grandes efusões de afeto, ponto.

Os indianos são calorosos e simpáticos, homens andam muito de mãos dadas, mas, ao contrário do Brasil ou da Itália, por exemplo, onde beijos e abraços são de lei, aqui não se vê muita gente abraçada. E isso que Delhi é uma cidade moderna, onde ninguém estranha casais de mãos dadas!

* * *

Falei sobre os bichos de rua com a vendedora da butique de uns amigos, e ela me convidou para ir à sua casa conhecer uns animais.

Em termos de distância, ela mora mais ou menos como se, no Rio, morasse na Barra (em relação ao Centro). Um tiquinho afastado, mas perto o suficiente para ir e vir do trabalho.

A casa, linda e espaçosa, construída no clássico estilo indiano de dois andares, com belíssimo chão de mármore, fica no meio de um terreno enorme. É uma das muitas "farms" à volta da cidade, grandes sítios que, volta e meia, são alugados para festas de casamento.

Gramado verde e bem cuidado, com árvores e flores. E, no que seria o quintal, nada mais nada menos do que 23 vacas, 18 cães e três gatos!

Todos recolhidos doentes ou machucados das ruas.

Uma das vacas foi atropelada e perdeu uma perna, outra tem uma pata quebrada que cicatrizou mal, a terceira um machucado no lombo... Mesma coisa com os cães, na maioria vítimas de atropelamento: um quebrou a espinha e é paraplégico, outro quebrou o queixo e perdeu os dentes.

Todos estavam contentes e muito bem tratados.

Minha nova amiga começou a trabalhar fora para ajudar no seu sustento, já que o salário do pai e as economias da família não davam mais para o gasto; e trabalho em casa é o que não falta. São só três empregados, o que já seria pouco levando em consideração apenas a casa e o jardim. É que, apesar de ser muito barato contratar gente aqui, a família tem dificuldade em encontrar pessoal.

Motivo? Casta.

Os empregados, de castas baixas, não aceitam trabalhar para pessoas de casta alta que não se dão ao respeito e exercem tarefas indignas da sua posição elevada, como limpar o cocô dos bichos, que é coisa para dalits.

Não estou dizendo que este país é doido?!

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