1.12.09

Bury my heart at Sarojini Market



O Sarojini Market fica perto de casa, e serve à vizinhança. É uma espécie de Old Delhi para principiantes, com uma quantidade de coisas à venda, de alfaces a celulares, mas sem carros, motos ou tuc-tucs circulando entre as pessoas. Não consigo voltar de lá de mãos abanando nem quando vou fotografar, como foi o caso: há sempre uma tentação irresistível no caminho.

Aliás, se há uma coisa que não falta na Índia é tentação irresistível.

Este é o país mais perigoso em que já estive, porque tudo é lindo e barato e, em tese, tudo está ao nosso alcance, sobretudo quando se convertem rupias em reais e/ou se comparam os preços com os praticados no Rio. O problema é que de real em real se desconstrói, rapidamente, uma boa conta bancária.

Já me proibi de comprar elefantinhos, por exemplo, mas a cada momento aparece um diferente. A essa altura tenho uma coleção de todos os feitios: madeira lisa, madeira esculpida, madeira pintada, barro, mármore, mármore com entalhe, jade, bronze...

Pulseiras? Ora, por quem sois. Tenho de miçangas, osso de camelo, prata, bronze, madeira, laca, vidro, madrepérola. E colares de olho de tigre e coral e lápis lazuli, e brincos de todas as cores e feitios, e caixinhas coloridas; mais caderninhos de papel feito à mão, e miniaturas, e panos do Rajastão e sedas de Varanasi.

* * *

Dizem que as pessoas costumam passar por grandes transformações espirituais quando vêm à Índia, e é verdade. Recebi um caboclo comprador e fico doida quando saio na rua, de tantas, tão lindas e tão acessíveis que são as mercadorias.

* * *

Lá vinha eu com uns pacotinhos no Sarojini Market quando um vendedor me agarrou no meio da rua:

-- Shopping bag? Shopping bag? Shopping bag?

Ele tinha umas sacolas de pano enormes, coloridas, com ziper e alças acolchoadas. Pedia 200 rupias (R$ 7,40 pela última cotação). Agora, que fui devidamente treinada pela Margarida, já não sou a otária completa de antes; sou apenas meio otária. Dei-lhe, pois, um passa-fora, e disse que estava maluco. Pediu 100. Topei.

A sacola é um primor de mal acabada, mas é grande, prática e nela couberam todos os pacotinhos. Poucos metros adiante, outro vendedor, com sacolas iguais, perguntou quanto dei nela. Diante da resposta, ofereceu as suas por 50, menos de dois reais. Se eu insistisse um pouco, levava por 40.

* * *

Nova Delhi é seca, fica perto do deserto, e uma camada permanente e insidiosa de poeira cobre tudo, o tempo todo. Depois de algumas horas na rua, por frio que esteja, a garganta se ressente e bate uma sede danada. Talvez por isso se encontrem tantos vendedores de limonada espalhados pela cidade.

Parei num deles, paguei dez rúpias e fiquei observando enquanto ele misturava o líquido com fartas colheradas de açúcar. Limpa, limpa, a coisa não era, mas tinha uma cara boa. Bebi um gole com gosto... e descobri que as colheradas não eram de açúcar. Eram de sal.

Bleargh!!!

Tentei beber mais um pouco à guisa de estudo gastronômico, mas a porcaria era de fato nojenta e intragável. E lá fiquei zanzando pelo mercado, de copo de plástico na mão, procurando uma lata de lixo. Como em quase todo o resto da cidade (e quiçá do país) não há latas de lixo no Sarojini Market.

Parei na loja de celulares onde ia deixar o velho N95 para trocar de casca. Dei o copo para o vendedor:

-- Você podia jogar fora para mim, por favor?

O moço olhou para mim com cara de ponto de interrogação e atirou tudo, copo e limonada, na rua em frente.

Não acertou ninguém por pura sorte.

* * *

Este país é doido, sujo, barulhento e confuso, mas é muito, muito divertido. Até porque basta andar um quarteirão ou atravessar a rua, e logo se estará num lugar completamente diferente. A zorra de Old Delhi e o paraíso de Lodhi Gardens não são opostos, mas complementares.

O Sarojini Market, que vende lado a lado celulares caríssimos e sacolas artesanais a preço vil, tudo coberto pela mesma poeira ancestral, é uma espécie de resumo da ópera.

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