4.12.09

Ainda sobre o tema de ontem

Para Moni KR, Cejunior, DJLeo, Renatinha e demais amigos que têm um pé atrás com a Índia:

O tempo que eu tenho "de casa", digamos assim, não me permite falar com grande conhecimento de causa, mas, depois de conviver com indianos de todas as classes, tenho a impressão de que a maior diferença entre este e outros povos é uma certa falta de super ego.

Eles não se preocupam em disfarçar sentimentos que, em outros países, existem, mas vivem hipocritamente encobertos (ainda que eu acredite que, nesse caso, a hipocrisia não seja inteiramente destituída de valor).

Uma das sociedades mais estratificadas que conheço é a sociedade inglesa e, no entanto, pouca gente deixa de ir à Inglaterra por causa disso; na Hungria e na Polônia, dois países super "civilizados", rola até hoje um grande antissemitismo; nos Estados Unidos, é aquilo que se sabe -- todo mundo é isso-american ou aquilo-american, tudo bem compartimentado por guetos.

Sempre achei, aliás, que só um país super incorreto politicamente poderia inventar o politicamente correto.

O ser humano é muito parecido, se não igual, em toda a parte.

A Índia tem um histórico de violência terrível, mas o que se observa na rua é um grande convívio, não só entre gente e bichos, mas, sobretudo, entre gente e gente. Vi muita pobreza, sem dúvida, mas vi relativamente pouca miséria -- o que, é lógico, não significa que ela não exista.

Ao contrário da pobreza sem redenção que observo em tantos lugares, a pobreza com que entrei em contato aqui é, pelo menos, operosa: as pessoas vivem ocupadas, fazem coisas, negociam, vendem (e compram) livros usados, flores, brinquedos de dois tostões.

Acho que o fato do consumismo não ser (ainda?) o grande mal social que aflige tantos países ajuda muito nisso.

* * *

No outro dia, um cara foi assassinado por ladrões, que levaram as 50 mil rupias que trazia consigo. O crime aconteceu tarde da noite, quando o homem saiu de um casamento; ele havia tirado o dinheiro pro casamento da filha, no dia seguinte.

Os bancos fecham às quatro, o que me leva a crer que ficou zanzando com todas aquelas rupias por muitas horas. O coitado acabou mal, com certeza, mas o seu final não era nada óbvio; caso contrário, ele teria deixado o dinheiro em casa antes de ir para a farra.

Não sei de brasileiro que tivesse coragem de passar o dia com uma quantia correspondente no bolso, ainda mais indo a uma festa e voltando a pé pra casa depois.

Não quero dizer com isso que a Índia seja melhor e o Brasil pior; quero apenas observar que nem tudo são flores na nossa casa, e que nem tudo é um horror na casa dos outros...

Eu me apaixonei por este país e pelo seu povo, e não foi (só) por causa dos belos elefantinhos que aqui se vendem.

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