2.4.09

Um entulho de dez milhões


A piscina está atrapalhando?
Joga no lixo, que é barato

-- No último sul-americano realizado no Julio Delamare, quase morri de vergonha, especialmente diante dos argentinos, porque no sul americano de lá, as instalações eram decentes -- disse Mamãe, que no fim de semana participou da prova de natação dos Jogos Brasileiros Masters. – Desde o primeiro dia, nada funcionava. A pior parte eram os banheiros: privadas entupidas até a tampa, torneiras quebradas... Aliás, mesmo que não estivessem quebradas, não ia adiantar nada, porque não tinha água. Já a água da piscina de aquecimento tinha tanto cloro que ninguém conseguiu usá-la.

Para alegria dela e dos demais participantes dos Jogos, porém, o Julio Delamare que os recebeu dessa vez foi outro, inteiramente renovado. Agora há lockers à vontade nos vestiários, para que os atletas possam guardar seus pertences enquanto participam das provas; os banheiros não só funcionam impecavelmente, com água fria e quente nos chuveiros, como, ainda por cima, estavam limpos. As arquibancadas ganharam cadeiras. Na piscina de aquecimento, o cheiro de cloro era quase imperceptível; e a piscina olímpica foi dotada do que há de moderno em tecnologia de piscinas. Coisa, enfim, de primeiro mundo. E tudo, acrescente-se, intensamente aproveitado pela comunidade: há cursos de natação e de hidroginástica a semana toda.

-- É comum que equipes estrangeiras participem, como convidadas, de eventos como o dessa semana, -- continuou Mamãe. – No domingo, tivemos uma equipe chilena. E, ao contrário do vexame que passamos com os argentinos, ficamos todos prosas em poder oferecer a eles um parque aquático tão bom, tão simpático e tão bem localizado.

O Júlio Delamare, vocês sabem, fica ali ao lado do Maracanãzinho. É importante ressaltar isso, porque a alternativa é o Maria Lenk, para lá do autódromo, fim de mundo para qualquer competidor que não tenha carro -- e para os que têm também. Sem falar que o Maria Lenk está inteiramente depenado. Terminado o Pan, todos os lockers, cabides, toalheiros, bancos, suportes de papel higiênico -- tudo, enfim, que era móvel -- foi levado embora. Participar de uma competição lá significa ter que ficar com um olho no cronômetro e outro na bolsa, porque não há onde deixá-la; pedir a amigos que segurem a toalha durante o banho, porque não há onde pendurá-la; sentar no chão para calçar o tênis, porque não há onde sentar; e, last but not least, virar repasto de mosquito. Aparentemente, a única coisa que tem de sobra no Maria Lenk é mosquito.

-- Coitada da Maria, não merecia uma “homenagem” dessas, -- lamentou Mamãe, que, como a maioria absoluta dos colegas, odeia com fervor o famigerado conjunto.

* * *

Por tudo isso, o clima foi de consternação durante a competição no Julio Delamare. É que o lindo e acolhedor parque aquático, um dos maiores da América Latina, com 18.515m², piscina olímpica de 25m x 50m, piscina coberta para aquecimento de 10m x 25m, e tanque para saltos de 25m x 25m, com profundidade de cinco metros, reformado em julho de 2007 ao custo de RS$ 10 milhões – dados da Suderj -- está com os dias contados. O projeto do Comitê Olímpico Brasileiro para a realização das Olimpíadas no Rio de Janeiro prevê a sua demolição para que, no lugar, possa ser feito... um estacionamento!

Segundo declaração de Carlos Arthur Nuzman ao Globo Esporte, o Julio Delamare atrapalharia o público do Maracanã, principalmente durante as cerimônias de abertura e de encerramento de grandes eventos. Para tranqüilizar a Confederação Brasileira de Natação, o presidente do COB prometeu que um Julio Delamare novinho em folha será construído do outro lado da linha do trem, perto da Quinta da Boa Vista. Pode ser que a Confederação fique tranqüila com isso; os Masters, entretanto, estavam cuspindo marimbondo, e com toda a razão.

Afinal, num momento em que o mundo inteiro fala em economizar e em apertar o cinto, o COB entra pela contramão da História, disposto a desmanchar um ótimo conjunto desportivo só assim, para reconstruí-lo ali adiante, como um marajá entediado que muda a arrumação dos móveis da sala. É difícil acreditar que algo que merecia uma reforma de dez milhões há apenas dois anos tenha, subitamente, se convertido em elefante branco; mais difícil ainda é aceitar a leviandade com que o nosso dinheiro é tratado, e a tranqüilidade com que é posto fora.

O caso do Julio Delamare, que eu desconhecia por completo, me lembrou muito o do Santos Dumont, que conheço até demais. Um governo reforma tudo, gastando uma quantia inimaginável de dinheiro; o governo seguinte decide que aquilo não tem serventia e deve ser transformado em shopping ou estacionamento. Nos dois, fica no ar a certeza de que, mais uma vez, nos fizeram de trouxas. Ou nos roubaram quando foram feitas as reformas, ou estão nos roubando agora, ao se dar por inútil o que até outro dia era imprescindível.

(O Globo, Segundo Caderno, 2.4.2009)

Um comentário:

Unknown disse...

Realmente lamentável a demolição deste maravilhoso parque aquático, principalmente quando o único objetivo é transformá-lo em estacionamento. Por que, se existem linhas de ônibus, trem e metrô bem próximas? Se elas não nos atendem, seria melhor utilizar a verba dessas obras para a melhoria do transporte de massa. Seria mais barato e útil para a população aplicar estes recursos na ampliação das estações e em mais composições.
Porque prestigiar o futebol em detrimento dos esportes aquáticos?
Como preparar nossos atletas se estamos destruindo as nossas melhores instalações esportivas?
O que vemos são obras atrasadas, estádios alagados, com vícios construtivos graves, alguns sequer com solução para corrigi-los. Trocaremos o certo pelo duvidoso/dispendioso.

Brasil: pais rico é pais sem desperdícios .