18.12.08


Considerações sobre o Natal (e alguns livros)

Todo ano é a mesma coisa: eu me prometo que vou fazer as compras de Natal em julho e, todo ano, como a promessa é feita a mim mesma e não sou tão exigente assim de mim para comigo, julho chega, passa e eu nem piso no shopping. Chega agosto, a consciência pesa um pouco, mas a vida movimentada inventa outros planos. Em setembro tiro férias, em outubro tenho que botar em dia tudo o que não fiz em setembro, novembro passa voando e, quando eu olho, dezembro chega em toda a sua glória, com árvore na Lagoa, papais noéis, vitrines enfeitadas, engarrafamentos e pessoas histéricas, porque é preciso fazer as compras de Natal! é preciso fazer as compras de Natal! é preciso fazer as compras de Natal!

Salvo raras exceções, que em geral deixo na mão da Bia ou da Laura, lá vou eu para uma das minhas livrarias queridas, ou mesmo para várias delas, e pronto. É que, para mim, dar presente não é comprar a primeira coisa que aparece, mas pensar no presenteado e tentar, dentro do orçamento e das possibilidades, fazer um casamento ideal entre bípede e objeto. Sou péssima com objetos, mas, em compensação, me considero ótima com livros: consigo dá-los até aos amigos que já têm todos os livros, o que, como sabe qualquer pessoa que já tem todos os livros, é mais difícil do que parece.

No último fim-de-semana, entre Argumento e Travessa, resolvi quase 100% dos presentes. Agora, além de aliviada, estou me sentindo assaz previdente: ainda faltam sete dias para o Natal... e já terminei as compras! Não é o máximo? Para quem em geral sai de casa feito uma louca no dia 24, com uma idéia na cabeça e uma lista enorme na mão, já é um grande progresso. Um dia ainda alcanço o grau de perfeição dos que têm cantinhos estratégicos nos armários onde, ao longo do ano, vão acumulando os mimos de dezembro.

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Em termos de livros, por sinal, este fim de ano está particularmente bom. Acho que nunca tivemos tal variedade de livros de bolso tão caprichados, o que resolve, lindamente, o problema de quem está com o dinheiro contado. É para a outra ponta do arco da sociedade, porém, o lançamento mais importante deste 2008 em que, bem ou mal, tomamos, todos, uma overdose de Machado de Assis. Depois de quase 50 anos, a Nova Aguilar lançou a coleção de sua obra completa, revista e ampliada.

A expressão “ampliada”, nesse caso, é o que os angloparlantes definem como understatement: os três alentados volumes da velha edição transformaram-se em quatro, passando o total de 3.600 páginas a quase seis mil. O milagre da multiplicação explica-se. Dos anos 60 para cá muito se descobriu a respeito de Machado de Assis. Alguns textos que lhe eram atribuídos não passavam de traduções ou de erros essenciais de autoria mas, em compensação, descobriu-se uma quantidade considerável de crônicas, contos, peças de teatro, poemas. Só a fortuna crítica, que abre a coleção com mais de 200 páginas, daria, em separado, um sensacional volume para melhor conhecer o autor. Organizada por Samuel Titan Jr., ela reúne com ensaios interessantíssimos, que vão de Capistrano de Abreu, em 1881, a Susan Sontag, em 1990 – passando por Mario de Andrade, Antônio Cândido, Alfredo Bosi, Silviano Santiago e tantos mais.

Esta maravilha editorial é, infelizmente, para poucos: tem preço sugerido de R$ 650, e vale cada centavo investido. Procurando direitinho, pode sair a R$ 400, verdadeira pechincha para o que é. Mesmo assim, algo me diz que não vai entrar para o hit parade das festinhas de amigo oculto.

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A fortuna crítica, que tanto acrescenta à nova edição das obras completas de Machado de Assis, faz, também, considerável diferença na deslumbrante edição de Moby Dick, em nova tradução de Irene Hirsch, lançada há alguns meses pela Cosac Naify. Ela situa o romance e acentua a sua importância; e, de certa forma, explica ao leitor que se aproxima pela primeira vez de Melville porque aquela história merece tão primorosa apresentação. Moby Dick é um daqueles livros que todos conhecem, de adaptações para crianças, condensações ou versões em quadrinhos, mas que poucos leram no original. Não é um livro “fácil” em nenhum sentido, mas aí está boa parte do seu encanto; me lembro que quando terminei de lê-lo pela primeira vez, há tantos e tantos anos, tive a sensação de que acabara de me salvar de um naufrágio. Se alguém tivesse me chamado de Ishmael, eu teria respondido.

O Moby Dick da Cosac Naify vai além do romance poderoso. O projeto gráfico de Luciana Facchini resultou num dos livros mais bonitos e bem feitos que já vi, verdadeira aula de editoração em capa dura e pouco mais de 650 páginas, e objeto de desejo perfeito em todos os detalhes.

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Qualquer Cosac Naify é um lindo presente, de Natal ou não, mas tenho a impressão de que o campeão, esse ano, vai ser o excelente “Conversas com Woody Allen”, de Eric Lax, em tradução de José Rubens Siqueira. É menorzinho – tem 485 páginas, cheias de fotos – e, ao contrário de Moby Dick, é fácil de ler, ideal para os dias de feriado que vêm por aí. Quem estiver esperando revelações bombásticas sobre a atribulada vida sentimental do nosso herói, no entanto, pode esquecer: a alma do livro é a arte. O fato da vida imitá-la de vez em quando não vem ao caso.


(O Globo, Segundo Caderno, 18.12.2008)

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