6.7.07

Um elefante alegra muita gente

Os livros da Danuza e do Bruno Drummond
também; já o fim do nominimo.com...



Quem passa de dia pela Rua Vinícius de Moraes nem percebe que eles estão ali, enroladinhos nas portas, esperando o anoitecer. Um escapou, está pintado num muro, mas fica meio camuflado pela bagunça e pelos outros grafites. Só depois que as lojas e os botequins fecham é que se percebe que faz parte da manada: um lindo elefante branco, coberto de adereços, andando entre flores.

* * *

Tudo começou quando o Fiúza se aborreceu com a quantidade de pichações que cobriam a banca de jornais, e perguntou ao André Brandão, o Dé, se ele podia fazer alguma coisa para resolver a situação.

O Dé, que mora do outro lado da rua, é pintor. Costuma fazer trabalhos grandes, em portas e janelas de demolição; o tamanho da empreitada, portanto, não o assustou. O personagem se impunha quase naturalmente, já que elefantes são tema recorrente na sua pintura. Assim, há uns dois meses, apareceu o primeiro elefante da Vinícius.

A novidade foi muito comentada na vizinhança, empolgada com a imagem bonita e alegre que substituiu as pichações horrorosas. Poucos dias depois, apareceu outro elefante. E logo outro, e mais um, e um grupo de três em portas contíguas, andando em fila, de trombas e rabos dados. Todos brancos e, a julgar pelos enfeites, indianos; têm selas vermelhas com pontas amarelas, quadradinhos, triângulos, espirais cor-de-rosa.

Por acaso, passei pela banca do Fiúza assim que o primeiro elefante apareceu. Adorei a novidade, que postei no blog. Alguém viu o post, avisou ao Dé e ele me mandou um email, apresentando-se e dizendo que faria um novo elefante na porta do Divas, simpático salão cheio de livros e idéias.

Fui assistir ao nascimento; gosto de ver artistas em ação. Um grupo de amigos acompanhava o trabalho do outro lado da rua, instalado em mesinhas na calçada do Mosca, clássico pé-sujo que, por sinal, é lar de diversos fradinhos pintados do Guga Liuzzi.

Foi um acontecimento. Tão interessante quanto ver a pintura, foi ver a reação dos transeuntes. Crianças e adolescentes manifestaram seu prazer sem restrições, e o Dé, gente boa, até deixou alguns meninos pintarem pedacinhos da, digamos, “tela”. Muitos adultos pararam para fotografar com o celular. Alguns perguntaram se o trabalho havia sido autorizado pelo estabelecimento. Esclarecida a questão, sentiam-se, enfim, à vontade para elogiar.

A nova elefanta é pequenina em comparação aos seus primos avantajados espalhados em metros e metros de portas, mas é muito mimosa. E deu sorte: está fugindo do circo.

¡Que le vaya bien!

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Li “Na sala com Danuza” em algum momento do século passado, quando chegou às livrarias. Lembro que gostei muito; mas estava lido e pronto, caso encerrado. Por isso, a nova edição de bolso, da Companhia das Letras, não me pareceu muito perigosa. Era uma da manhã, eu estava espichada no sofá depois de um dia exaustivo, e resolvi pegar o livrinho porque imaginava que, sendo um velho conhecido, apenas passaria os olhos por ele, sem compromisso, antes de ir dormir.

Quando virei a última página, os gatos estavam desmaiados pelo tapete, o sol nascia lá fora e eu, ainda que cansada, estava encantada. O livro não é bom; é ótimo! A sensação que me acompanhou a noite inteira foi a de estar conversando com uma amiga sofisticada, perspicaz e divertidíssima -- em suma, com a Danuza, tal como é na vida real.

Não posso dizer que aprendi muito, porque sou um desastre social sem remédio, mas isso não tem a menor importância. “Na sala com Danuza” não é um livro didático. É uma grande crônica, um apanhado de histórias, uma perfeita delícia.

* * *

Outra delícia imperdível é “Gente fina”, do Bruno Drummond, a meu ver um dos mais argutos observadores da fauna carioca. Para quem não está ligando o nome à pessoa, ele é o autor das maravilhosas tirinhas que a “Revista O Globo” publica aos domingos. O livro, da Desiderata, é uma coleção dessas tirinhas. Confiram: o Bruno é muito, muito bom.

* * *

Enquanto isso, na outra ponta da vida, ando com uma tristeza enorme entalada na garganta: não me conformo com o fim do nominimo.com, nem como jornalista, nem como leitora. Como jornalista, sinto uma frustração sem tamanho ao ver fechada a porta que, às custas do esforço de uma equipe tão brilhante, conseguiu se transformar na grande referência intelectual da internet.BR.

Seria de se esperar que uma revista online com o prestígio do nominimo.com fosse um tesouro a ser avidamente disputado, sobretudo por empresas de comunicação; mas, pelo que se viu, no Brasil, infelizmente, a inteligência anda em baixa. Quente mesmo, nesses tempos boçais, é patrocinar o Big Brother.

(O Globo, Segundo Caderno, 5.7.2007)

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