14.12.06

Por onde anda a Justiça Divina?!

Chamando todos os cariocas: a Marina da Glória corre perigo!


Dos mistérios insondáveis do mundo, que não são poucos, um dos mais difíceis de aceitar é por que tanta gente boa vai embora tão cedo, e em condições tão tristes, e um assassino como Pinochet leva 91 anos para morrer -- e ainda é beneficiado com um ataque cardíaco.

Eu gostaria de poder perguntar, de coração leve, como é que se celebra o fim de um monstro: com um minuto de algazarra?

Mas nem isso.

O desaparecimento de alguém que fez tanto mal não me serve de consolo, porque não desfaz o mal; antes, me enche de melancolia, por ser a prova da sua existência.

O planeta teria sido um lugar melhor sem esta vida desgraçada.

* * *

Escrevi isso lá no blog assim que soube da morte de Pinochet. Veio um dia e o outro, os jornais mostraram a confusão no Chile e o meu sentimento continua o mesmo. Há uma injustiça existencial que não consigo aceitar nessa morte tranqüila, nos herdeiros milionários, nos chilenos que choram a sua falta.

* * *

Enquanto isso, aqui em volta, também não vejo grandes motivos para alegria. Nosso Aterro do Flamengo, um dos mais lindos parques do mundo, cuja integridade vinha, até agora, sendo respeitada, anda ameaçado por um projeto sinistro: uma garagem para barcos tão agressiva quanto inútil, plantada na Marina da Glória, que vai roubar parte da vista que é um de seus maiores encantos. Já toquei no assunto en passant semana passada, provavelmente voltarei ao assunto semana que vem e continuarei falando contra este absurdo enquanto se fizer necesssário.

O IPHAN precisou da ajuda da Polícia Federal para suspender as obras, mas luta contra um inimigo para quem as leis -- e, aparentemente, a cidade -- pouco significam. Convencido de que o Pan lhe dá carta branca para fazer e desfazer o que bem entender sem consultar ninguém, o prefeito assumiu de vez o césar do nome e está pouco se lixando para a legislação e para a opinião pública.

A única esperança de salvação para o Aterro, propriedade de todos nós, é o exercício da cidadania: não podemos assistir de braços cruzados a mais este atentado contra a cidade. Aos que estiverem interessados em lutar pela paisagem que nos resta, sugiro um programa para o próximo domingo, dia 17: participar da manifestação "Esse mar é meu", nos jardins do Museu de Arte Moderna, a partir das 10h. O mote do movimento não podia ser melhor: "Marina, você já é bonita com o que Deus lhe deu". Como estamos no Rio, às 15h haverá uma boa roda de samba.

* * *

Depois de ler minha coluna da semana passada, em que ataquei o logotipo do Bradesco disfarçado entre as luzes da árvore de Natal, leitores e amigos que não gostam dela me escreveram entusiasmados, achando que, finalmente, me juntei às suas hostes.

Sinto desapontá-los. Continuo totalmente apaixonada pela árvore, que está mais linda do que nunca, e acho os eventuais engarrafamentos que gera um preço bem pequeno a pagar diante do clima super alto-astral que cerca a Lagoa nessa época do ano. Fico encantada com o clima de quermesse, com a criatividade dos vendedores das barraquinhas, com as famílias que vêm ver as luzes e que esperam, todos os dias, o momento em que o sol se põe para assistirem, maravilhadas, o momento mágico em que as luzes se acendem. Achei a idéia da queima de fogos semanal o máximo e, no último sábado, vibrei vendo-os da janela -- enquanto os gatos, coitados, corriam espavoridos para baixo da cama.

Minha bronca é única e exclusivamente contra a inserção sorrateira do logotipo da seguradora entre os enfeites da árvore. Tem mais: sequer acho feio o logotipo, pelo contrário. Trata-se, aqui, de uma questão de princípios e da criação de um precedente muito perigoso.

A tal "contrapartida comercial" a que o pequeno césar se refere já está espalhada à exaustão nos canteiros da Lagoa; a árvore no espelho d?água, como símbolo do Natal carioca em que se transformou, tem que ser neutra comercial e politicamente. Ou isso, ou nos próximos anos correremos o risco de ver a estrela do topo substituída pelo tal logo, cada bola sublocada a quem der mais e os cisnes dos pedalinhos vestindo macacões de Fórmula 1.

* * *

Ainda na coluna da semana passada, chamei a Vivo Rio de Viva Rio; peço desculpas a uma e à outra. Deve ser a força do hábito...

Bom. Como escrevi, não achei a casa merecedora das duras críticas que vem sofrendo, especialmente em relação à acústica, que achei ótima. Mas minha experiência, pelo visto, não foi a mesma de leitores que não ficaram tão bem situados quanto eu. Ninguém se queixou do som para mim, mas ficou óbvio, a partir dos emails que recebi, que a Vivo Rio ainda precisa de uma afinação, não só no sistema de reserva e venda de ingressos e no serviço de estacionamento como, sobretudo, na questão da visibilidade nos camarotes e no andar superior: a verdade é que quem não se senta nas primeiras cadeiras mal vê os shows.

(O Globo, Segundo Caderno, 14.12.2006)

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