28.12.06




Esta coluna não só já foi lida aqui no blog como, na verdade, virou coluna a pedido de alguns leitores.

"Vamos tirar dinheiro comigo, baby?"

História (real) de uma garota, um assaltante e um policial; o final é feliz


Aconteceu semana passada com minha sobrinha Manoela, que mora em Goiânia e veio passar as férias no Rio. Pedi que escrevesse; depois me digam se não é um típico Conto de Natal carioca.

"Sempre me disseram que não era prudente sacar dinheiro depois de um certo horário. Sempre me disseram que os bandidos nunca têm, de fato, cara de bandido. Sempre me disseram muitas coisas sobre como me manter em segurança no Rio de Janeiro: bolsas nunca devem ser levadas nas costas, sentar em ônibus só se for no corredor e todos os cartões de crédito na bolsa? Nunca!

Não é que eu não tenha ouvido os muitos avisos sobre a violência crescente na cidade, mas nunca se acredita que vai acontecer com a gente. Ou simplesmente não se pensa muito no assunto antes de se ser imprudente. O fato é que, apesar de tudo, fui depois de anoitecer ao Banco do Brasil da Praia de Botafogo tirar dinheiro. Não era tão tarde. Ou pelo menos eu pensei isso. Ao entrar no banco um homem segurou a porta para que eu passasse. Não era nem perto o tipo de pessoa de quem você desconfia. Loirinho, nos seus trinta e poucos anos, bonito, bem vestido, sapatos de couro.

Assim que passei pela porta ele segurou minha cintura e pôs uma arma entre nós. "Vamos tirar dinheiro comigo baby?". O "baby" me deixou especialmente irritada. Não havia nada que eu pudesse fazer. Pensei em repetir a senha três vezes errado, mas vai que o cara se descontrola? Melhor obedecer e deixá-lo contente. Afinal, ele tinha uma arma apontada para as minhas costas.

Depois de entregar o celular, que ele pediu, começamos verificando o saldo da conta, eu tremendo dos pés à cabeça, tanto que quase não conseguia digitar a senha. Ele me ditando as instruções ao pé do ouvido, aparentemente tranqüilo. Cada segundo se estendendo. Estava tentando me manter atenta às suas características físicas, naquela ilusão de que depois a gente vai à polícia e faz um retrato falado. Acho que só em filme americano mesmo.

Quando chegamos à tela que me perguntava o valor que eu desejava sacar imaginei que não havia mais jeito, eu ia mesmo perder o dinheiro, e não ia ser pouco. Foi aí que a minha história começou a parecer coisa de filme, um bom filme de aventura que peca talvez por ser um pouco surreal demais.

"A mocinha não quer te dar o dinheiro, senhor".

Ouvi isso antes de ver o que estava acontecendo. Não queria me mexer, não queria fazer nada que pudesse ser mal interpretado pelo assaltante. Havia um homem com uma arma apontada para a cabeça do infeliz atrás de mim. "Você quer tirar esse dinheiro, meu bem?". Ele teve que repetir a pergunta e ainda assim não obteve resposta, o nervosismo me impedia de falar qualquer coisa.

Apertar "cancelar", explicar que era policial e mostrar o distintivo não foram tão efetivos para me acalmar como se poderia imaginar. Eu continuava tremendo e sem fala. Foi só depois que a arma do assaltante estava no chão e suas mãos algemadas que comecei, aos poucos, a retomar meus sentidos.

Estava excessivamente nervosa, e esqueci de perguntar ao meu cavaleiro sem cavalo branco qual era seu nome e todas essas coisas que tornariam uma homenagem mais fácil. O que eu sei é que ele esperou que eu tirasse dinheiro, me levou em casa e disse que era simplesmente o trabalho dele quando eu agradeci muitas vezes por tudo.

"Não é todo mundo que faz simplesmente o trabalho que se propôs a fazer, obrigada".

"Tem que começar em algum lugar", ele disse.

E tem mesmo. A gente tem que começar a acreditar que esse país está, sim, indo para frente. Temos que dar mais atenção às histórias bonitas. Temos que ter orgulho de ter nascido aqui.

A minha aventura mostra, é claro, um aspecto ruim desse lugar, que é a violência, mas mostra também que existe gente boa tentando fazer o certo. Tentando dar o máximo de si para fazer com que as coisas melhorem, tentando mudar o que não as agrada.

Tem que começar aqui, na vontade de mudar.

Eu voltei a acreditar na polícia do Brasil.

Estava há muito tempo com uma impressão de que todo policial é corrupto. Não é verdade. Um ladrão foi preso na quinta feira passada para nos provar isso.

Feliz Ano Novo para vocês.

Eu termino esse ano com esperanças renovadas e começo o próximo ainda mais patriota do que já era."

* * *

O policial que frustrou o assalto à Manoela sequer é do Rio; é de Niterói e, curiosamente, observou, enquanto a levava para casa, que, se tivesse juízo, mantinha distância da cidade:

"Toda vez que venho aqui tem confusão".

Felizmente, dessa vez, a confusão ficou só nisso. A ele e a todos os seus colegas do bem, que trabalham em condições tão adversas tentando manter um mínimo de ordem no faroeste em que está mergulhada a nossa Muy Leal e Heróica, o agradecimento mais sincero de uma carioca que, como sua sobrinha, ainda não perdeu a esperança.


(O Globo, Segundo Caderno, 28.12.2006)

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