24.8.06


Ecos da semana

Os leitores se manifestam: ninguém agüenta mais

Escrever crônica é manter um diálogo constante com os leitores. Ainda que não se encontre tempo para responder a todas as mensagens recebidas -- e por isso, aliás, peço desculpas aos que tão gentilmente entram em contato comigo -- a leitura da crônica, de um lado, e a dos emails, do outro, não deixa de ser uma espécie de conversa. Através dessa troca de impressões, os leitores passam, com o tempo, a conhecer os cronistas e as suas maniass; ao passo que nós, cronistas, temos a possibilidade de saber para quem estamos falando, e até que ponto estamos correspondendo às expectativas dos que nos lêem. É comum, nessa correspondência, que as pessoas se refiram a nós como "formadores de opinião"; mas, a meu ver, a expressão se aplica apenas a uma pequena parcela do vasto universo que se encontra numa redação. No caso específico das crônicas, acho que "amplificadores de opinião" talvez seja uma definição mais acertada do ofício.

Digo isso porque, depois do desabafo que fiz semana passada, recebi uma quantidade consideravelmente maior de emails do que de hábito -- e a sua tônica era a coincidência de sentimentos entre o que foi publicado aqui e o que estava entalado no coração dos que me escreveram. Estamos todos igualmente amargurados, desiludidos, atordoados com a falência das instituições e a cara de pau dos políticos, que, a se acreditar no horário eleitoral, são santos que vivem em outro planeta. Estamos todos igualmente envergonhados do lamaçal ético no qual o país parece afundar cada vez mais, irreversivelmente:

"Sinto o mesmo que você", escreveu Francesca Santos. "Não consigo fazer de conta que nada está acontecendo... mas não encontro eco. Agora, que se tem liberdade para falar o que se quer, estão todos anestesiados. Saí irritadíssima do "Zuzu Angel". Tanto sacrifício em vão! A liberdade chegou, mas a sociedade está totalmente apática. Naquela época, tive que me amordaçar para não acabar sendo presa e, agora, estou vendo que vou ter que me desligar disso tudo para não adoecer. Sinto-me completamente impotente! Quem sofreu com a falta da liberdade de expressão devia saber o que é isso; no entanto, as pessoas "não estão nem aí". Tenho medo de um segundo governo Lula. No início deste mandato, ele tentou censurar a imprensa, lembra? Com a força da reeleição e a amizade com Chavez, Morales... não sei o que pode acontecer. Socorro! Também quero uma pílula azul."

"Lendo a sua coluna despertei para a minha maior carência, que acredito seja também do povo brasileiro: ter um verdadeiro líder!" observou Patrícia Algranti. "Alguém a quem respeitar e em quem acreditar. Ciente de que só podemos mudar o país elegendo bons candidatos, estou muito triste pois não tenho candidato. Não acredito mais em nenhum político. Existem milhares de livros escritos sobre liderança, cursos caríssimos a respeito e, no entanto, só conseguimos líderes políticos despreparados, desonestos, arrogantes e sem nenhum preparo psicológico para enfrentar um cargo público. Se para conseguirmos um bom emprego temos que passar por dinâmicas de grupo, testes de conhecimento técnico e psicotécnicos, diversas entrevistas, exames de saúde e análise da nossa "ficha cidadã" (SPC, SERASA, criminal, etc.), por que não exigir o mesmo do candidato, que tem muito mais responsabilidades?"

Esta é uma ótima pergunta, Patrícia, que com certeza muitos cidadãos honestos já se fizeram -- mas que, pelo visto, passa ao largo das "idéias geniais" dos poderosos. Fiquei particularmente sentida, porém, com cartas que recebi de leitores petistas. Ao contrário da maioria dos partidos, o PT sempre teve eleitores fiéis e uma militância aguerrida. Nisso estavam, simultaneamente, o que sempre achei sua principal qualidade (a fisionomia bem definida) e o seu principal defeito (a fé perigosamente próxima do fanatismo religioso):


"Desta vez, seu artigo me tocou fundo pois sinto exatamente o mesmo", escreveu Eduardo Horcades. "Há décadas, pois sou militante, desde 1965. Entrei para a faculdade em 66 (PUC-RIO) justamente no "esquentar" das coisas, sou filho de um militar assassinado pela ditadura, sócio atleta do PT -- não deste que está aí, mas daquele que fundamos, amamentamos, moldamos e admirávamos. Não deste que faz acordos com "niutões" e crivellas da vida. Não deste que só tem como objetivo o poder pelo poder e, muitas vezes, por algo mais. Isto posto, acredito que você pode avaliar como me sinto. Escrevo somente para dizer que seu artigo (crônica?) foi de primeira linha e expressou exatamente o que sinto. Exceto, quando diz que "quer uma pílula azul". Não, não quero perder a vontade de gritar não só "não venham aqui" mas muito, muito, muito mais. Quero e vou continuar gritando o mais alto que minha voz permitir."

* * *

Vale, aliás, um esclarecimento. Houve gente achando que a pílula azul à qual me referi fosse Viagra; mas já passei, há tempos, da idade em que sexo é solução para todos os problemas. A pílula azul e seu oposto, a pílula vermelha, são ícones de "Matrix". Quando começa a perceber coisas estranhas acontecendo a seu redor, Neo, o hacker, pode escolher entre a pílula azul, para voltar à paz da ignorância, ou a pílula vermelha, para encarar o tranco da realidade. Não vou contar qual ele escolhe; aluguem o filme, que é ótimo.


(Globo, Segundo Caderno, 24.8.2006)

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