Novas diretrizes em tempo de derrota
Futebol é, como dizem por aí, "uma caixinha de surpresas". Pois garanto que cobrir uma Copa do Mundo, para quem nunca viveu antes esta experiência, não fica atrás. Os jogos, os bastidores, a torcida exaltada que vai de extremos de entusiasmo a extremos de fúria no piscar de um chute, a facilidade com que esta torcida inventa refrãos e desanda a berrá-los a uma só voz -- tudo foi novo e surpreendente para mim.
De todas as experiências que vivi, porém, a mais estranha foi o abrupto dispersar do nosso grupo. No dia da derrota, todos estávamos perplexos e ocupados demais para pensar no dia seguinte. No dia seguinte, contudo, as fichas foram caindo. Meio devagar, porque ninguém vem para uma Copa imaginando o pior -- especialmente o pior de última com que a seleção se despachou. O que faríamos? Para onde iríamos? Quem continuaria escrevendo? Quem voltaria para casa? Embora a Copa continue, ela passou a ser uma Copa sem graça, uma festa dos outros. Quais seriam as novas diretrizes em tempos de derrota?
Como vocês já sabem, mas nós ainda estávamos pensando, o caderno diminuiu. Com o fim das colunas não esportivas e a redução da cobertura ao vivo, a equipe ficou dividida -- mesmo porque, até para os que escrevem sobre futebol, passou a ser quase impossível conseguir ingressos para os jogos, distribuídos, preferencialmente, a jornalistas dos países que estão em campo.
Aos que ficaram soltos no ar, foi dada a opção de continuar na Alemanha até o fim da Copa. Uns, que têm férias e já tinham acerto com familiares para encontros depois do dia 10, toparam; outros, loucos para voltar para casa, entraram na batalha das passagens; é que, com a debandada da torcida, os vôos para o Brasil ficaram todos lotados.
Xexéo, por exemplo, que nunca se deixou enganar por Frankfurt, foi direto para Berlim; eu ainda fiquei um dia na cidade, fazendo as malas e tomando coragem para abandonar o cotidiano com os colegas.
Até isso foi novidade para mim, viajante habitualmente solitária. Nunca tirei férias em excursão e, mesmo a trabalho, quando faço parte de algum grupo de jornalistas, é sempre gente da área de tecnologia, e para eventos relâmpago. Esses pequenos times costumam ser uma mistureba de nacionalidades, e viagens que duram mais de três dias são consideradas quase exílio. Mal temos tempo para respirar, comer ou conversar uns com os outros.
Pois aqui convivi durante um mês com a turma mais legal, simpática e solidária de amigos. Todos mantendo o bom humor apesar dos horários bizarros e das condições de trabalho nem sempre ideais, fazendo o possível e o impossível para superar dificuldades, na maior afinação com o time de heróis do Toninho, o editor de esportes, que fechava no Rio, diariamente, o material que mandávamos daqui.
Se a seleção foi uma decepção geral, a nossa seleção particular de jornalistas foi, para mim, motivo de constante admiração e orgulho. Eu amo esta profissão, amo esses colegas que me fazem sentir parte de um time de craques. Sem falsa modéstia: se a seleção, aquela, jogasse com metade do brio e do entrosamento que todos demonstraram, dos garotos mais novos aos veteranos como o Antonio Maria, que já cobriu nove Copas, ou o Verissimo, constantemente assediado pelos fãs, a taça teria sido nossa.
Ainda assim, para o bem de todos e felicidade geral da nação, é preferível que eles continuem jogando bola, e nós escrevendo e fotografando.
* * *
Neste momento trabalho, mais uma vez, em movimento. É terça-feira, e estou num trem rumo a Hamburgo, onde vou me encontrar com Bine e Antje, duas excelentes fotógrafas e empregadas de gatos que conheci há alguns anos no Fotolog, e com quem continuo convivendo virtualmente através do Flickr. Conheço suas casas e seus gatos, assim como elas conhecem minha casa e minha Família Gato; trocamos informações sobre os quadrúpedes e sabemos das vidas umas das outras. Sempre nos amamos, mas nunca nos vimos.Hoje à noite (terça-feira), assistirei ao jogo Itália x Alemanha na casa da Bine. Como os brasileiros, os alemães também fazem festinhas e reuniões para acompanhar os jogos. Será mais uma experiência para acrescentar ao meu diário de bordo: assistir a um jogo inteiro pela televisão e, ainda por cima, narrado em alemão.
Ainda bem que cinco lindos gatos estarão a postos para me distrair.
(O Globo, Segundo Caderno, 6.7.2006)
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