13.7.06



Amigos ursos

Sempre achei terceiro lugar em Copa muito melhor do que segundo. Quem fica em segundo perde um jogo, quem fica em terceiro ganha; e ganhar, nem preciso dizer, é muito melhor do que perder. Isso me parece absolutamente óbvio mas, por incrível que pareça, jamais consegui explicar esta teoria de forma convincente à minha Mãe, aos meus amigos atletas ou a fãs de esporte em geral. Quando toco no assunto, todos me olham com muita pena e um indisfarçável ar de "Sancta simplicitas!" - mas os dois últimos jogos da Copa foram, enfim, a demonstração prática de que não estou de todo errada.

Quem assistiu ao jogo entre Alemanha e Portugal viu um time vitorioso e alegre, aclamado por torcedores absolutamente eufóricos. Nas ruas da Alemanha, a população comemorava, com o maior orgulho, o desempenho dos seus jogadores. A festa entrou pelo domingo afora e ainda hoje, terça-feira, quando escrevo, carros e bicicletas circulam com bandeirinhas, as janelas seguem enfeitadas e quem não tem que ir trabalhar usa camisetas com as cores do país. Suponho que, em termos germânicos, isso corresponda a bem um mês de festa na Bahia.

Quem assistiu à final, em contrapartida (trocadilhos, por favor), viu a antítese do espírito esportivo - não só na cabeçada do Zidane, mas, sobretudo, na atitude antipática de tantos franceses que, mal desceram do pódio, arrancaram a medalha de segundo lugar do peito, como se ela não valesse nada. Nas ruas de Berlim, onde os italianos faziam festa junto com os alemães, os franceses passavam cabisbaixos, com cara de enterro - embora tenham ficado à frente dos alemães.

Em esportes individuais, como natação, por exemplo, o segundo lugar é indiscutivelmente melhor do que o terceiro; mas em esportes coletivos, em que times se confrontam em jogos diferentes, cada vez mais me convenço de que, pelo menos, há margem para discussão.

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Como já se falou, os jogadores e torcedores alemães fizeram por merecer a festa. Nunca assisti a outras copas, mas esta foi um evento muito bem organizado e, ao contrário do que eu imaginava, muito pacífico, pelo menos por onde andei. Os alemães não poderiam ter sido anfitriões mais gentis e hospitaleiros. Como os jornais locais já comemoravam antes mesmo da semifinal, eles foram os campeões do coração das torcidas, der Herz Weltmeister.

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Coisa bonita de se ver, também, foi a quantidade de brasileiros que, apesar do vexame da seleção, continuaram vestindo a camisa do Brasil e agitando a nossa bandeira. Aliás, achei linda a quantidade de cores e bandeiras pelas ruas de Berlim no dia da final. Havia centenas de poloneses, por exemplo - e o time deles nem se qualificou. Havia montes de croatas, com aquela camiseta medonha de quadradinhos, e japoneses, e coreanos e uma espantosa quantidade de mexicanos, todos orgulhosos das suas nacionalidades; é muito interessante ver uma multidão em que se pode identificar de onde vêm as pessoas. Confesso que me senti envergonhada de ter guardado, tão rápido, a camiseta verde e amarela. Afinal, o país está muito acima do time chinfrim que veio disputar o mundial. Ontem ainda saí com a camisa da Itália, terra da minha Mãe, por quem torci na final e que, pelo menos, me deu um certo gostinho de vitória; era agora ou nunca. Algo me diz que não vai pegar bem fazer isso em Paris, minha próxima parada. Depois, no entanto, volto às nossas cores. Que se envergonhem os jogadores, sobretudo aqueles que não cumpriram o que deles se esperava; mas eu sou brasileira, caramba, e não desisto nunca.

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A melhor tradução do espírito de fraternidade que reinou entre a maioria dos turistas que vieram para a Copa estava na Bebelplatz, de triste memória, onde, em maio de 1933, os nazistas queimaram milhares de livros que consideravam malsãos. A praça é um espaço amplo onde, hoje, existe um monumento arrepiante relembrando os livros mortos: centenas de estantes vazias, debaixo da terra, que podem ser vistas através de uma abertura de vidro no chão. Nesta temporada, porém, lá está a "United Buddy Bears", exposição itinerante que se define como "a arte da tolerância".

Aproveitando o mote dos ursos coloridos que pontuam Berlim, um círculo de 142 ursos que, cada qual representando um país, parecem se dar as mãos. Cada um foi feito por um artista local, e é uma delícia ver quantas idéias podem dar certo a partir de uma mesma forma. Eventualmente os ursos vão a leilão, e o dinheiro arrecadado é utilizado para ajudar crianças ao redor do mundo: de 2002 até hoje, os simpáticos bichinhos já conseguiram mais de um milhão de euros. Os recursos do próximo leilão, a ser realizado quando a exposição deixar a Bebelplatz, serão entregues ao projeto Escolas para a África, do Unicef.


(O Globo, Segundo Caderno, 13.7.2006)

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