Entrando no ritmo da Fußballweltmeisterschaft
Dentro de exatos 20 dias, embarco numa aventura totalmente inédita para mim: vou para a Alemanha cobrir a Copa, como parte do time do GLOBO. Os leitores que gostam de futebol não precisam ficar alarmados: é óbvio que os craques da casa já estão devidamente escalados, e vão mandar as notícias que a Pátria de chuteiras ansiosamente espera. Eu vou justamente para que eles não precisem desviar as atenções do campo com as bobagens e distrações do caminho. Pode ser, quem sabe, que eu até venha a descobrir o encanto do ludopédio e volte de lá uma expert, capaz de entender o que eles querem dizer com 4 x 4 x 2; nunca se sabe.A verdade é que quando o Parreira, o Zagallo e o Américo Faria estiveram na redação há duas semanas senti, pela primeira vez, uma certa emoção em relação ao esporte. Percebi a responsabilidade que pesa sobre os ombros daqueles homens e fiquei gelada por tabela, imaginando como conseguem dormir, andar por aí, comer e até respirar diante do que se espera deles; naquele encontro vi três generais em véspera de batalha, personagens de um épico de proporções shakespearianas.
Acho até que entendi, retrospectivamente, a angústia das crônicas do Dapieve.
Resultado: comecei a me angustiar também. Sei que vou para a Alemanha há meses e estou, inclusive, estudando alemão -- mas só naquela reunião caiu a minha ficha. Caramba, eu vou cobrir a Copa!!! A Fußballweltmeisterschaft!!! E o pior é que ainda nem sei pronunciar direito essa palavra!!! Socorro!!! Quero a minha Mãe!!!
Vocês acham que estou de brincadeira? Não estou, não. Mamãe é tudo o que eu precisava na Copa. Não só fala alemão fluentemente como, ainda por cima, descobriu-se no outro dia, para surpresa da família, que ela sabe tudo sobre futebol. Mas tudo mesmo: é uma criptotorcedora! Sabe que o Dida é goleiro e caladão, sabe quem é o Lenny do Fluminense embora seja vascaína, e descreveu em minúcias um gol que lhe chamou a atenção; sabe até, santos céus, o que é impedimento -- mas, quando ia me explicar o que é isso, a Laura deu um basta. Há um limite para tudo. Estávamos jantando na casa dela, afinal, e assim mudamos a conversa para o desempenho escolar dos meus netos, tópico de interesse geral na casa. Mais tarde, quando perguntei como sabia tudo aquilo, Mamãe me olhou com o ar displicente com que costuma nos explicar as novidades da Física Quântica:
-- Ora, todo mundo sabe essas coisas.
* * *
Enquanto isso, entre uma aula de alemão aqui e um compromisso ali, caiu na minha caixa postal um e-mail que, em princípio, tinha todo jeito de pegadinha: a Sepda, Secretaria de Proteção e Defesa dos Animais, demonstra solidariedade com os sofridos gatinhos do Jockey, e denuncia as maldades que lá vêm sendo sistematicamente cometidas contra eles. Li e reli a mensagem, achando tudo muito esquisito: o documento oficial da Sepda parece até escrito por... humanos! E de bom coração! Chequei a sua veracidade. Pois não é que há mesmo pessoas aparentemente amigas de animais por lá? Pelo menos neste caso, a Sepda está agindo bem. Denuncia o famigerado "gatil", e se compromete a fiscalizar o antro de perversidade comandado pelo senhor Elazar Levy, cobrando do Jockey tratamento menos cruel para os gatos que têm o infortúnio de lá serem abandonados. Vejam este trecho do documento oficial:"A direção (do JCB) não atendeu às exigências básicas desta Secretaria no sentido de fazer melhorias na infra-estrutura do cercado onde os gatos têm sido continuamente aprisionados (...) O espaço destinado ao confinamento -- "gatil" -- é insalubre, úmido, sem área adequada de proteção das intempéries, sem pias e estrutura necessária para determinados procedimentos, apresentando um alto índice de contaminação por bactérias e vírus que desenvolvem diversas doenças infecto-contagiosas. Esta área já tinha sido interditada pela gestão anterior da Sepda junto com o CCZ, Centro de Controle de Zoonoses do Município, justamente por suas precárias condições. Os fatos narrados geraram uma solicitação: os gatos ainda em liberdade nas antigas colônias existentes ao longo do hipódromo não seriam mais capturados. Entretanto, a despeito das orientações recebidas, a direção do hipódromo continuou ordenando a captura e o aprisionamento dos animais ininterruptamente, apesar das diversas recomendações técnicas de nossos médicos veterinários (....). É importante ressaltar que até bem pouco tempo nossos veterinários somente eram acionados para socorrer algum felino quando o seu estado já era terminal e irreversível, ou quando o caso era tornado conhecido por algum defensor daqueles animais. Os inúmeros óbitos que tinham, continuamente, ocorrido dentro do "gatil" não eram trazidos ao conhecimento desta Secretaria."
Bravo, Sepda! Assim é que se faz. Agora que a farsa do tal "gatil" está oficialmente desmascarada, peço aos sócios e freqüentadores do JCB amigos desta coluna e daqueles pobres gatinhos que, por favor, fiscalizem seu clube, manifestem-se, cobrem um mínimo de humanidade da direção; enfim, façam qualquer coisa, menos fechar os olhos às atrocidades que lá vêm sendo cometidas há tanto tempo.
(O Globo, Segundo Caderno, 11.5.2006)
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