Sempre detesto as fotos que fazem de mim; esta foi a única foto digital que tirei com tio Américo de que gostei.
É de 2000, e foi feita pela Laura.
No último almoço de família em casa do tio, em dezembro passado, tirei esta foto com um dos celulares: Laura, Bia, tio Américo e Mamãe.
Tio Américo
Meu tio Américo Gardós (Gardós Imre, em húngaro) traçou planos de vida na juventude. Matriculou-se na faculdade de medicina, casou-se com tia Clara, irmã do meu Pai, e certamente teria sido um grande médico em Budapeste, pai de meia dúzia de filhos, se os nazistas não pusessem fim aos seus sonhos.
Quando o casal conseguiu chegar ao Brasil, no fim da guerra, o tempo e as vissicitudes haviam deixado suas marcas; já era tarde para pensar em filhos, e aprender uma língua e um país novos para obter o diploma válido aqui eram obstáculos grandes demais para quem vinha do inferno.
Meu tio optou por construir um tear, como os que vira na sua infância: aquele mesmo, que Rachel de Queiroz descreveu na crônica que reproduzi há duas semanas. Era jeitoso, o meu tio, e logo tinha uma pequena fábrica, o Linifício Gardós, de sociedade com o cunhado Estevão, casado com tia Eva, a outra irmã do meu Pai.
Quando os grandes produtores de tecido decidiram que aqueles húngaros atrevidos tinham ido longe demais, massacraram a fabriqueta. Tio Américo perdeu tudo o que tinha, e mais alguma coisa; durante um tempo, vieram, ele e tia Clara, morar conosco no Bairro Peixoto.
Apesar disso, nunca ouvi dele uma queixa, nunca notei nele nenhuma amargura, nenhum rancor contra o destino. Pelo contrário: era um homem sempre afável e generoso, sempre gentil, sempre de sorriso pronto.
Adorava jogar xadrez, e não havia, pelo menos lá em casa, quem pudesse com ele -- nem mesmo Papai, que era muito, muito bom de tabuleiro.
Nos últimos anos, viúvo, distraía-se passeando por Copacabana, indo até a Avenida Atlântica, sentando num banco e olhando o mar e o movimento dos transeuntes. Sua maior alegria era reunir os sobrinhos (Laura e eu, e Suzana e Estevão, filhos do seu irmão Ladislau) com a respectiva filharada em almoços de sábado.
Tio Américo faleceu ontem, no finzinho da tarde, no Hospital Silvestre, aos 94 anos.
Eu gostava imensamente dele.
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