19.2.06



A carta do Arnaldo

Ontem o meu colega e amigo Arnaldo Bloch escreveu uma carta para mim naquele espaço em que saem as nossas crônicas no Segundo Caderno. Fiquei toda boba...
"Fala, Cora. Vou te dizer: não sei exatamente por que comecei a escrever esta carta, mas agora que comecei vou ter que arriscar alguns palpites, senão a carta deixa de existir. Podia usar uma daquelas técnicas freudianas de associação livre de idéias, tipo uma vez que esqueci o nome do Mick Jagger, sabia que era aquele cara dos Rolling Stones, mas não havia meio de me lembrar do nome, então comecei a fazer associação livre, fui à máquina de escrever (naquele tempo ainda usava!) e escrevi um monte de palavras que vinham à cabeça e depois frases soltas sobre o que eu achava do cara dos Stones, e aí de repente me veio à cabeça Michael Jackson, mas não era nele que estava pensando, e então percebi que Mick Jagger e Michael Jackson começavam com as mesmas sílabas, e finalmente me lembrei. É Freud!

Mas o que é mesmo que Freud tem a ver com a carta que te escrevo? Ah! Era isso, eu estava querendo saber as razões de te escrever. Os palpites. Vamos ver... será que é porque ando tirando muita foto de celular por aí (inclusive a do gato aí do lado, na verdade uma gata de Santa Teresa, esqueci, pra variar, o nome)? Será que é porque ando gostando de gatos?, que animais extraordinários, que almas inexploradas, que crianças tantas vezes, desprotegidas, e eu que sempre os achava traiçoeiros e intratáveis...

Fotos de celular... vamos ver... bom, lembro quando Cora começou a tirar fotos de celular e publicá-las e dizer que era uma nova forma de arte, era época daquela febre inicial dos fotologs, até um fotógrafo chapa das antigas, Frederico Mendes, me disse: "Bloch, faz fotolog!", mas eu já tinha blog e Panelinha, um pra administrar, outro ? um grupo de e-mails pra sobreviver em meio aos amigos de faculdade mais loucos do planeta (!), na época teve gente implicando na internet: "A Cora acha que é só tirar uma foto torta de céu que já virou arte!", então te digo, eu agora, Cora: não sei se é arte (e no mais, arte às vezes é um conceito tão volúvel...) mas certamente é uma forma nova de olhar para o mundo visível e também ao invisível de nossas rotinas. Mas... o que estou dizendo? Que o celular é capaz de nos tirar da rotina? Bom, não é o celular em si, mas aquela função de se poder apreender imagens com algo que não é uma câmara mas é um pouco extensão da mão, como se as mãos fossem olhos e pudessem trazer a qualquer momento a imagem e guardar dentro de si...

Já sei! Escrevi essa carta pra te dizer que os celulares deviam ser câmaras e só. Câmaras no formato de celular, mas sem as funções de telefonar e receber telefonemas, que essas acabam enchendo o saco, muitas vezes elas substituem a rotina, quando não se usam com sabedoria, mas sabedoria é um troço difícil, Cora, hoje sei, não que esteja me consagrando sábio, mas enfim, a gente nunca perde a esperança. Então pronto! Esta é minha humilde contribuição à tecnologia de ponta: façam o telefone celular que não liga, só tira foto.

Gostou, Cora? Tomara que você esteja rindo desse sorriso de criança de olhos inteligentes louca por brinquedos novos. Eu também era assim, mas meu negócio era mais Laboratório Químico da Estrela, um dia até bebi uns líquidos coloridos daqueles, meu amigo Dario diz que é por isso que eu sou assim desse jeito, não sei a que jeito ele se refere mas tudo bem, ele é meu amigo, deve ser alguma coisa legal.

Depois veio a época de fissura por aparelhagens de som, amplificadores, Receiver Polivox, alto-falantes Bravox, woofer, tweeter, quacker, caixas de madeira (comprei umas outro dia, da Patrícia irmã do Urubu), cheguei, lá nos tempos da discoteca, a montar com uns amigos, o Daniel e o Gruber, um grupo de dar festas, o Rio Som, tinha até cartãozinho. Demos três festas: uma de graça pra minha irmã, uma com desconto pro meu primo Alexandre (saudades, cara) e uma pra uma amiga da minha irmã. A festa começou meio chocha, eu até desci do playground para a portaria, mas aí começou a tocar "Born to be alive", e eu subi, e estava todo mundo dançando, ueba!, mas aí o ventilador que soltava bolhas de espuma caiu em cima do frasco de bolhas, e a espuma concentrada escorreu pelas ventosas do amplificador, e o refrão da música, festa no auge, se transformou num ruido de disco voador, fiiiiiiiiiuiuiuiuiuuiuuuui, era o som pifando, um pifar estrondoso, e a festa acabou, e o Rio Som faliu, ih, até rimou com a onomatopéia.

Deve ser por isso que hoje em dia eu sou meio avesso à tecnologia, por ser muito fácil, muito performática. Acho, por exemplo, que os gatos são melhores do que a tecnologia, por isso às vezes tento me desligar dela, imagino que você, lá no fundo do mar (cacilda, você mergulha, né?), faça a mesma coisa.

Bom, era isso, Corita, a carta terminou, mas continuo sem saber direito porque escrevi. Pensando bem, ou não pensando em nada, acho que nem precisa. Afinal, foi você que batizou meu blog.

Do amigo Arnaldo"

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