O paraíso perdido
Uma colaboração super especial para este blog feita pelo
Alexandre Ribondi: não é para quem quer, é para quem pode...
;-)Montanhas, vales, rios, carneiros (cordeiros de Deus?). Nesta paisagem habitam apenas dois homens, Jack Twist e Ennis del Mar. Ambos têm 19 anos, a idade do ritual de passagem da inocência para os entendimentos da vida; encontram-se e caem nos braços um do outro. São dias de felicidade, amor carnal, entendimento espiritual. Até que, de um ponto mais alto da montanha, o patrão vê que os dois caubóis não são mais ingênuos e que, à sua maneira, provaram do conhecimento humano. São demitidos e voltam à cidade. A partir daí, cada um toma o seu rumo.
Este arquétipo é a espinha dorsal de Brokeback Mountain, o filme do formosense Ang Lee, que concorre a 8 óscares. Jack e Ennis, por pecarem, são expulsos do paraíso e vão de encontro à danação eterna. É muito provável que esteja aí, nessa excelente, delicada e poética revisão de um mito ocidental -- o paraíso perdido, o "paradise lost" -- a razão por que o filme causa impacto tão profundo e silencioso na platéia. E também será esse o motivo por que discutir a homossexualidade é perda de tempo. O que se tem para falar, ao sair do cinema, é mais sobre a tragédia dos corações.
Ennis ama Jack e Jack ama Ennis. São rapazes bonitos, mas não estonteantemente belos. Poderiam ser nossos vizinhos. O que é estonteante é a paixão que levam no peito para o resto de suas vidas. E (pela incapacidade de amar) a tormenta de destruir tudo à sua volta. Uma das personagens, aliás, revela esse vazio desesperador. Em certa ocasião, diz "Eu não sou nada, não tenho lar, por causa de você". Mais tarde, quando se dá conta que perdeu tudo e que, inclusive, sua casa carece de cadeiras e mesas, volta a afirmar: "Quem não tem nada não precisa de nada".
Os nomes das personagens também parecem contar histórias. Um deles é Jack Twist -- twist é retorcer, entortar, deixar de ser reto. O outro é Ennis del Mar -- é do mar, como uma ilha onde não há navio que aporte. Ele se casa com Alma, o que, para nós, falantes de português (e espanhol também) tem um significado que não passa em branco.
Brokeback Mountain não é um filme gay. Não é um filme sobre a moral nos cafundós do Judas nos anos 60. Não se iludam, não. O tempo, o local e os corpos dos amantes são circunstanciais. As pragas da solidão, da incapacidade de viver o amor, da percepção de que tudo poderia ter sido melhor do que é, nos acompanham hoje também. E quem achar que, pelo fato de haver beijos de lábios masculinos e encontros carnais sem genitália feminina, o tema está circunscrito ao universo homossexual, vai deixar de mergulhar (com roupa e tudo) numa aventura que diz respeito a todo mundo. Afinal, vivemos numa cultura que nos ensina que um dia, num tempo mítico e distante, perdemos o paraíso -- para sempre.
(Alexandre Ribondi)
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