9.2.06



Bípedes, quadrúpedes e
algumas histórias

Enquanto o criadouro do secretário cresce com
recursos públicos, os animais cariocas sofrem


No final do ano passado, o repórter Luiz Ernesto Magalhães descobriu uma espécie de maiaduto animal entre as secretarias municipais do Meio Ambiente e de Promoção e Defesa dos Animais. Por ter fornecido duas jacutingas para o Rio Zoo, o secretário Victor Fasano credenciou-se a receber, a título de "colaboração científica", R$ 260 mil dos contribuintes, muitos dos quais, suponho, não teriam a menor dificuldade em listar dezenas de dotações mais urgentes para essa dinheirama. Até eu, que amo animais e considero que vidas não têm preço, acho meio caro R$ 260 mil por duas jacutingas.

Reconheço, contudo, que, não estando acostumada ao comércio de aves exóticas como está o secretário, não tenho a sua capacidade para avaliar representantes desta espécie de Cracidae. Vai ver, R$ 130 mil por uma jacutinga é uma baita pechincha -- e a gente aqui chiando diante do grande negócio feito pelo Rio Zôo. Vai ver, também, o secretário investiu mesmo todo o dinheiro que recebeu no seu criadouro de aves, e não na mansão que lá vem sendo construída. Imaginem se um secretário do quilate do senhor Fasano, escolhido a dedo pelo alcaide, vai usar dinheiro público em proveito próprio! Impensável. Vocês vão ver: com os R$ 780 mil que receberá até abril, vamos ter no zoológico jacutinga saindo pelo ladrão (oops, escapou-se-me).

Acontece que nem todo mundo acredita na boa fé do secretário. Em dezembro passado, quando O GLOBO publicou a série sobre o maiaduto, andaram até falando numa CPI para investigar a origem e o uso do R$ 1,04 milhão dados ao senhor Fasano para a melhor prestação de seus relevantes serviços avícolas Felizmente, o secretário não precisa temer tal indignidade. Numa cidade que ainda nem sabe se vai ter Câmara de Vereadores funcionando, imaginem se alguém vai se lembrar de levar uma bobagem dessas adiante.

Além disso, o prefeito César Maia está contentíssimo com o desempenho do seu favorito. Tendo feito há tempos sua escolha preferencial pelos ratos, e ansioso para apresentar aos visitantes do Pan um Rio livre de bípedes e quadrúpedes indesejáveis, ele encontrou no senhor Fasano o aliado ideal. Por isso, noutro dia, aumentou a sua área de atuação: agora, a Secretaria de Promoção e Defesa dos Animais é responsável também pelo CCZ, o Centro de Controle de Zoonoses, mais conhecido como carrocinha. O prefeito, como todo mundo sabe, é um homem prático. Com uma canetada só matam-se milhares de cães e gatos abandonados.

* * *

Porém, enquanto o senhor Victor Fasano consola-se das críticas à sua pífia atuação na novela ouvindo o canto das jacutingas e o tilintar das moedas, a vida dos animais abandonados do Rio vai de mal em pior. Os poucos serviços que existiam em seu benefício foram extintos ou estão à beira da extinção, como o convênio para castração feito com a Estácio de Sá; veterinários, ração para bichos de áreas carentes, campanhas educativas, nada disso existe mais. A Sepda, criada para defender os animais abandonados, aliou-se aos piores inimigos dessas pobres criaturinhas. No Jockey Clube, zona número um de extermínio de gatos do Rio, onde impera a conivência com a Sepda, os funcionários e protetores acabam de ser terminantemente proibidos de alimentar os gatos, e a água que algumas almas piedosas lhes trazem às escondidas é jogada fora. A exceção é o famigerado gatil (considerado um "modelo" pelo senhor Fasano), onde os gatos recebem comida mas morrem de doenças e de descaso. Ou seja: gato no Jockey está condenado a morrer de inanição ou por negligência, como tantos e tantos já morreram.

Em breve não haverá um único gato no elegante clube, para gáudio do diretor Elazar David Levy. E os ratos terão plena liberdade de ação.

Para sorte dos bichos abandonados, nem todo mundo é Victor, César ou Elazar: há na cidade muitas pessoas de bom coração. Neste momento, um pequeno grupo tenta, desesperadamente, encontrar bons lares para cerca de uma dúzia de gatos, todos lindos e bem tratados, que pertenciam a um rapaz que faleceu. A família, que nunca o visitou no hospital e sequer pagou o enterro, providenciado graças a uma vaquinha entre os amigos, expulsou os quadrúpedes assim que tomou posse do imóvel em que viviam.

Os gatos estão em abrigos temporários, tristes e angustiados com a reviravolta em suas vidinhas. São carinhosos e meigos, e serão ótimos companheiros para quem os adotar. Sua história, suas fotos e os telefones para contato com as pessoas extraordinárias que estão cuidando deles podem ser encontrados em www.adoteumgatinho.blogspot.com.

(O Globo, Segundo Caderno, 9.2.2006)

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