16.6.11

E o Campo de Santana, prefeito?



O livro se chama “Glaziou e as raízes do paisagismo no Brasil”. Tem 249 páginas, e é uma edição caprichada da Manati, com capa dura e impressão de grande qualidade; chega às livrarias no final de julho e, como diz o título, trata da obra de Auguste François-Marie Glaziou, jardineiro de Dom Pedro II e criador de uma estética paisagística que chega até Burle Marx, com a valorização das nossas plantas nativas. É ricamente ilustrado, com material de época e um passeio pelos jardins no seu atual estado. Olhando para as fotos do Passeio Público, da Quinta da Boa Vista e do Campo de Santana, feitas ao longo do ano passado, pode-se até imaginar que o Rio é uma cidade civilizada, que soube preservar o seu patrimônio. Quem conhece a cidade, porém, estranha.

-- Como é que você fez para fotografar os parques tão vazios e tão limpos? -- perguntei a Bia Hetzel, autora das fotos, que, como eu, não nasceu para registrar o lado negro da vida.

-- Você nem imagina! O que eu mais fiz no ano passado foi varrer chão, limpar fonte, pedir ao senhor mendigo para chegar um tiquinho para lá... Quando eu saía para trabalhar, avisava ao meu marido que estava indo para a rota Osama: Passeio Público, Quinta, Campo de Santana...

-- Você ia sozinha?

-- E eu lá sou maluca?! Claro que não, ia com um rapaz esperto que me ajudava na limpeza, e que ficava de olho em quem nos manjava.

-- O que foi mais difícil de fazer? 

-- O Passeio Público, de um modo geral, e a gruta artificial do Campo de Santana, cheia de estalactites e estalagmites, e que está interdita por causa do risco de desabamento. É uma coisa linda, que provocou encanto e admiração entre os que a visitaram nas primeiras décadas da sua existência. Era cercada por um lago, coberta por uma cascata e enfeitada com bromélias, dá para imaginar? Quando estive lá passei mal com o acúmulo de lixo e com o cheiro dos animais mortos. Conseguimos limpar um pequeno trecho para as fotos, mas não foi fácil.

Vendo a foto da gruta feita por Bia, fico com um ódio mortal das sucessivas administrações que deixaram que se deteriorasse a tal ponto algo tão precioso. Acho que o meu novo amigo, prefeito Eduardo Paes, deveria pedir um exemplar do livro o quanto antes à Editora Manati, e estudar com cuidado as fotos da Bia, para ver o tesouro que está deixando escorrer pelo ralo. Se uma moça armada com uma vassoura, um segurança e o clássico jeitinho conseguiu restaurar o encanto desses jardins, ainda que para algumas fotos, do que não seria capaz uma prefeitura? 

O Campo de Santana que renasce nas fotos de Bia Hetzel é o paraíso imaginado por Glaziou, a jóia incrustada no Centro de uma cidade que, já então, fervilhava; era o nosso Central Park, o lugar para onde famílias se dirigiam para fazer piqueniques e para apreciar o verde, enquanto as crianças corriam soltas e se divertiam vendo cotias, pavões, patos e gatos, bichos que sempre fizeram a alegria dos seus frequentadores.

* * *

Da mailbox I: “Chegando da bem cuidada e hospitaleira cidade de Lima, Peru, morro de vergonha com a comparação automática que faço com os parques Kennedy e  Central de Miraflores, um ao lado do outro. Juntos, são maiores do que o Campo de Santana. As alamedas são limpas, os jardins lindos e floridos (ninguém toca e não existem avisos nesse sentido) e os lagos cristalinos. Não se vêem  mendigos, drogados ou pivetes. Passantes, turistas ou não, usam suas câmeras e filmadoras sem susto. Ficam abertos dia e noite, haja vista a  iluminação encantadora. Ah! Estão repletos de gatos, cada um mais rechonchudo que o outro, todos cuidados pela prefeitura.” (Manuel Carrera Paz Filho)

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Da mailbox II: “O retrato de um dos lugares mais aprazíveis do Rio de Janeiro e o drama vivido pelos animais ali traídos e abandonados à própria sorte são reflexos de uma sociedade atrasada, medíocre e perversa.” (Rafael Cazes)

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Da mailbox III: “Se o dinheiro fosse gasto com mais honestidade, se o trabalho fosse dignamente remunerado, o Rio bombava. Mas para onde se olha, por toda parte, falta conservação, ordem, eficiência, treino, educação. Eu ponho as mãos na cabeça e pergunto onde é que vamos parar. Administrar essa cidade pobre, suja, malandra, cheia de gente sem educação não é para fracos.

Eu pago quase 30% (30% é pura ingenuidade, mas vá lá) de tudo o que ganho trabalhando para c@r@lho, e vejo o meu Rio de Janeiro assim. Não tem poesia que amenize. Nem foto que fale mais alto do que aquilo que eu vejo todos os dias quando saio de casa. E olha que moro bem. O Rio cantado, aquele Rio de encanto, virou praticamente recordação. 

Eu tenho achado tudo um lixo, uma vergonha. Eu tenho a impressão de que onde não está esburacado e sujo, tem um canteiro de obras parado, fingindo que alguma coisa vai acontecer ali... mas o que parece mesmo é que estão enrolando, esperando chegar mais próximo dos eventos esportivos, para se fazer tudo correndo. Como se soubessem que se fizerem agora, até lá vão ter que refazer tudo. Porque o povo não cuida das coisas públicas com carinho ou educação. 

As crianças e os bichinhos nascem por toda parte, numa cidade de falsos ânimos. 

Sinceramente, eu não queria estar na pele do prefeito nem do governador, mas eles queriam e querem muito estar nas próprias peles, então por favor (por favor, uma ova! o emprego é muito bom) administrem esta zorra de cidade direito!” (Monica Langer)


(O Globo, Segundo Caderno, 16.6.2011) 

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