5.4.10

Assessorias, tomem tenência!




Quando eram obrigadas a escrever cartas em papel, pô-las em envelopes, selá-las e levá-las ao Correio, as pessoas escolhiam o destinatário com um mínimo de critério, e pensavam duas vezes antes de escrever. Acho até que, em muitos casos, pensavam três, quatro, dez vezes. E, no fim, depurada a idéia, chegavam à conclusão de que o que tinham a dizer não era lá tão relevante, ou, ainda que o fosse, não merecia a trabalheira.

Ao mesmo tempo, por uma questão óbvia de economia, todos pesavam bem as suas palavras, e digo isso no sentido material – usava-se papel fininho, envelope aéreo e um mínimo de concisão.

Salvo as estrelas de Hollywood e a realeza do rádio, que precisavam de equipes inteiras para lidar com as toneladas de pedidos diversos e declarações de amor dos fãs, a maioria dos seres humanos dava conta da correspondência. Aliás, um tipo de foto bastante comum nos tempos pré-email era a de carteiros sorridentes carregando sacos de mensagens para a celebridade da hora.

Hoje, qualquer um de nós recebe o equivalente a um saco daqueles todo santo dia. É o suficiente para sair correndo, se embrenhar na floresta do Unabomber e nunca mais voltar à dita civilização.

Por que tudo isso, Cora Rónai?

Porque, mais uma vez, abro a minha mailbox do Globo e ela está trancada. Isso acontece dia sim e outro também. Caixas de correio de jornal, pelo menos deste jornal aqui, são espaços de tamanho limitado, longe do modelo o-céu-é-o-limite do Gmail pago, que me oferece 87,3Gb, dos quais 8,1Gb, ou 9%, já estão tomados, outro motivo bem justificado de pesadelo. Mas isso é outra história.

Como sofre a minha pobre mailbox profissional! Por mais que a limpe, mais ela lota. Tenho a sensação de cavar um buraco na praia bem perto do mar; mal abro um espaço, e as ondas trazem mais areia para tapá-lo.

Ultimamente decididi arrumar as mensagens por tamanho, para facilitar a limpeza. Tenho tido surpresas. Entendo que leitores que buscam desesperados por animais de estimação sumidos me mandem cartazinhos de 1Mb, mas não entendo como assessorias de imprensa, que deveriam, em tese, conhecer o drama do lado de cá, e ter um mínimo de know-how de rede, me mandem mensagens pesadas quando podem muito bem mandar um leve link para um hotsite.

A campeã do dia, hoje, é a assessoria da Positivo que, num único email, consumiu três (!!!) preciosos megabytes da caixa postal. O título da mensagem é “Positivo Informática apresenta nova versão do Kid Pix, o software de criatividade mais vendido do mundo” -- mas jamais saberei por que esta maravilha vende tanto, já que a msg foi para o lixo.

Na sequência, me informam que “Maria Fernanda Cândido revela Romance”, num megabyte inteiro. Adoro a Maria Fernanda Cândido, que além de bonita é inteligente e simpática, mas, se depender deste release, vou morrer sem saber que espécie de romance é esse. Como começa com maiúscula, sei que não é nenhuma reviravolta na sua vida afetiva, mas nem desconfio se é livro, coleção de moda ou desodorante íntimo. Lixo.

Outro megabyte é consumido para me informar que “Trama lança Na Cidade, novo trabalho da Pata de Elefante, gratuita e legalmente”. A Trama é uma simpaticíssima gravadora, Pata de Elefante suponho que seja uma banda, Na Cidade será seu novo trabalho. Tudo suposição, porque email de um megabyte não é para ser levado em consideração em dia de faxina e, consequentemente, vai para o lixo também.

O quarto lugar na parada, em tamanho, fica com “COMISION OLIMPICA SE REUNE CON LA COMUNIDAD LUSO-HISPANA DE LONDRES”, assim mesmo aos berros, em caixa alta – e, considerando os exemplos anteriores, modestos 363Kb. Mas o que é que eu tenho a ver com essa notícia?! Nada, rigorosamente nada. É pela falta de critério de agências como a Minka News, que a mandou, que abro a minha mailbox com o bom humor de quem vai desarmar uma mina terrestre.

Vou lá. Ainda tenho um campo inteiro pela frente, cheio de notícias de igual relevância.


(O Globo, Revista Digital, 5.4.2010)

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