Um mês depois de ter publicado, aqui, as minhas confissões de anta, continuo encontrando antas por toda parte, muitas insistindo para que eu não deixe o assunto morrer. Essa semana mesmo recebi o abaixo assinado de 27 antas assumidas que agradeceram meu desabafo pelo coletivo, solidarizam-se comigo e com as demais antas do país, e sugeriram a criação de uma Associação Brasileira de Antas para desencadear um movimento contra os títulos de capitalização.
Longe de mim desestimular quem quer seja, mas acho mais prático criarmos logo um grupo de “investidores” anônimos que, partindo do princípio de que não entendemos nada disso, fará, contra saques imediatos em mercadoria, depósitos nos estabelecimentos comerciais que mais se adaptem ao perfil de cada um. O grupo poderia se chamar “Não adiAnta”.
Recebi também convites para dois seminários especialmente dedicados a mulheres, elaborados com o intuito de nos ensinar a manter um orçamento equilibrado e, na sequencia, descobrir os truques do mercado de capitais.
Até um livro veio nessa fornada. Chama-se “Clube do dinheiro das Smart Cookies” e explica a que vem logo na capa: “Saiba como cinco mulheres assumiram o controle de suas finanças sem abrir mão dos pequenos prazeres do dia a dia”. O livro, da Academia (208 páginas, R$ 25), é simpático e fácil de entender, e me parece bastante eficiente como auto-ajuda financeira, cheio de exemplos práticos que podem, sem dificuldade, ser transpostos para a vida de qualquer uma de nós.
O único problema, do meu ponto de vista estritamente pessoal, é que não faço a menor questão de saber como funciona o mercado de capitais. Sei o que me basta de um ponto de vista genérico, suficiente para acompanhar o noticiário econômico, mas não quero entender dinheiro em detalhes, nem perder tempo mergulhada em números, vendo as possibilidades mirabolantes que o Pré-Sal trará para as empresas do Eike Batista.
Tempo, ao contrário do que diz o ditado, não é dinheiro. É um bem muito mais raro e precioso.
Tudo o que eu queria, se não fosse pedir muito, era não ser roubada, especialmente pelos bancos, instituições que, em tese, foram criadas para defender nossos caraminguás. E pronto, só isso, apenas isso, nada além disso.
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O médico J.C. Mayall não é anta, mas escreveu hipotecando-nos a sua solidariedade e fazendo um cálculo assombroso. Eu juro que não queria mais voltar a esse assunto, até por consideração às não-antas, que não merecem suportar a antice alheia semana sim e outra também, mas acho que todos, sem exceção, devem ler isso. É um texto chocante, no antigo sentido da palavra. Tirem as crianças e os cardíacos da sala:“Dei uma olhada no site do Itaú e vi o plano de R$ 50 por mês em 60 meses. Lá está escrito que no primeiro, segundo e terceiro mês são cobrados 90% do valor aplicado para os tais sorteios; no quarto mês cobram 30% e daí em diante, até o 60º mês, ficam com 9,41%. Isso dá um percentual global de 13,78% sobre os valores investidos, que em tese corresponderia ao valor da rifa.
E mais, por favor me acompanhe no cálculo: está lá escrito que são 500 mil títulos de R$ 3 mil cada um ( R$ 50 por mês durante 60 meses), o que nos leva a R$ 1.500.000.000,00 ( isso mesmo, R$ 1,5 bilhão). Ora, como eles cobram 13,78% para comercializar os títulos, pagar os prêmios etc., isso significa que arrecadam R$ 206.700.000,00 (R$ 206 milhões) com a brincadeira. Pasme você, no entanto, com o valor total dos prêmios pagos aos incautos “investidores”: apenas R$ 6 milhões! Isso está lá escrito no contrato do PIC do Itaú. Sobram, portanto, uns R$ 200 milhões para o banco.”
Viram só, antas? Aprenderam? É por isso que eles estão ricos e nós estamos pobres.
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Eu sairia de casa, de livre e espontânea vontade, para ver um filme sobre Chico Xavier? Não, não sairia. Se tivesse que fazer uma lista de personagens que me interessam no mundo, ele não iria nem para o banco dos reservas. Não acredito em vida após a morte, não acredito em fenômenos paranormais e, pior, acho tudo isso um tédio. A título de comparação, também não acredito no Abominável Homem das Neves ou no Monstro do Lago Ness, mas acho ambos igualmente fascinantes.Tendo, no entanto, vários amigos envolvidos com a produção de “Chico Xavier”, fiquei curiosa em relação ao filme; e não é que ele é muito bom?! Há ali uma ótima história, contada com direção segura, capricho e competência; há um time de atores excelentes, há lindas locações e um trabalho de câmera sensacional. De quebra, há também a descoberta de que Chico Xavier tinha senso de humor, coisa que eu jamais teria imaginado, e que oferece bom contraponto a um tema que, nas mãos de um time menos habilidoso, poderia ter descambado para o dramalhão.
O fato de “Chico Xavier” ser a biografia de um médium, ou de se acreditar ou não no que ele fazia, é praticamente irrelevante diante do ritmo e da qualidade do filme, que se propõe a contar a história de um brasileiro singular. Como já dizia o filósofo Luiz Severiano Ribeiro, cinema é a maior diversão, e “Chico Xavier” obedece, à risca, este sábio postulado.
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Meu mundo caiu. OK, estou sendo dramática. Parte do meu mundo caiu. Mais especificamente, caiu o reboco da parede do corredor, vítima de uma infiltração vinda de uma obra dois andares acima. A foto de hoje faz parte de uma série em que registrei esta pequena miséria do cotidiano. O conjunto da obra, por assim dizer, que já mostrei em parte aos leitores da “Revista Digital”, está AQUI.(O Globo, Segundo Caderno, 1.4.2010)
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