5.11.09

Trânsito

Falam-se barbaridades sobre o trânsito da Índia e, em termos ocidentais, é tudo verdade.

Acontece que o trânsito é uma invenção humana, um conjunto de códigos desenvolvido a partir de certas necessidades. Depois de uns dias observando o que acontece aqui, cheguei à conclusão de que não há nada de muito errado com o trânsito local; apenas, ele segue um conjunto de códigos diferente, tão incompreensível para a nossa mentalidade quanto, digamos, a relação com a religião ou o uso ensandencido de pimentas e especiarias e a onipresença do coentro.

Ninguém usa espelho retrovisor, acessório inexistente nas motos e nos carros mais velhos. Na maioria dos carros novos o pessoal deixa os espelhos dobrados, até porque, com a quantidade de fino que se tira, aquilo só atrapalha.

É por isso que todos os ônibus, caminhões, tuc-tucs e veículos variados trazem escrito “Horn Please” na traseira; afinal, se você não avisar que está vindo, como é que eles vão saber?

Em prol da comunidade internacional, a Índia fez algumas concessões às noções ocidentais de deslocamento automotor, mas está claro que, como todas as concessões feitas ao arrepio da alma nacional, essas também não pegaram. Mão e contramão é um estrangeirismo extremamente mal assimilado. A idéia de faixas para pedestras chega a ser ridícula, já que parte ponderável dos pedestres têm quatro patas e não está nem aí para essas bobagens. O mesmo vale para os semáforos.

Os capacetes para motociclistas são obrigatórios, com algumas excessões. Caronas não usam, mesmo porque enfileirar quatro capacetes um atrás do outro na mesma moto é difícil. Sikhs não usam porque é impossível pôr o capacete por cima do turbante. E mulheres também não, porque depois de gastar horas arrumando o cabelo faz algum sentido estragar tudo com aquela droga?

Graças ao senso estético e à indignação de milhares de indianas, entre elas a ministra para assuntos femininos, a dispensa do capacete para mulheres virou lei; e estamos conversadas.

O trânsito indiano é, a despeito das aparências, um balé de alta sofisticação, que leva em conta não só veículos e pedestres, mas vacas, camelos, carros de boi, charretes, tratores, burricos, bicletas, motos, cachorros, cabras, carneiros, búfalos, macacos, porcos, galinhas e o que mais resolva utilizar a via.

Estou encantada com as nuances que este país inventou para uma atividade tão sem graça, e espero chegar ao fim da viagem tendo dominado, pelo menos, a arte de atravessar a rua sozinha.

Por enquanto tudo o que eu faço é parar estatelada no meio da confusão, mugindo bem alto. Se eles acreditarem que sou uma vaca, estou salva.

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