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Os outros
Em Katmandu quase não consegui dormir porque o casal do quarto ao lado discutia a relação aos berros. Em inglês, mas com sotaques diferentes: ele estava tendo um ataque de ciúmes e tinha uma voz tão autoritária e desagradável que tive de me segurar para não ir bater na porta e tomar satisfações.
Vejo muitos turistas da minha idade ou mais velhos, ou então bem novinhos, na casa dos 20. Falta uma camada demográfica intermediária, não sei por quê.
No interior do Rajastão encontrei ingleses, franceses, italianos e alemães. Tirando um grupo de ingleses e outro de alemães, cada um com umas vinte pessoas, os “colegas” apareciam aos pares ou, mais freqüentemente, pares de pares. Primeiro pensei que fosse por causa do tipo de hotel em que tenho me hospedado, mas depois notei a mesma coisa nos monumentos e nas atrações turísticas em geral. Pouquíssima gente viajando solo: uma moça alemã em Khumbalgarh, uma senhora inglesa em Narlai e outra em Rohet.
Muita gente mantém diários de viagem. À noitinha, nas áreas comuns dos hotéis, há sempre alguém escrevinhando furiosamente num caderno. O meu notebook foi uma estrela solitária até Jaipur, onde um americano pilotava um Dell no lobby, a área wi-fi da casa.
A dupla mais interessante que conheci foi um casal bengali em Rohet que, no fundo, não era casal: havia ali uma fuga amorosa. Os dois entre os 40 e 50 anos, elegantes, finos, intelectuais. Foi amizade à primeira vista.
No trem de Johdpur para Jaipur sentou-se a meu lado uma senhora mais ou menos da minha idade, magra, bonita, embrulhada em xales, com um vago ar ripongo. Durante a viagem, fiquei sabendo que é alemã, vive de artesanto e mora há décadas na Flórida, onde teve a sorte de ter a casa destruída por um furacão. Com isso, embolsou o dinheiro do seguro, reconstruiu a casa com as próprias mãos e, desde 1994, usa o que sobrou para viajar. Já esteve várias vezes na Índia, onde segue um guru que faz workshops de meditação. “Você já parou para pensar no milagre da respiração? É por trás da respiração que está o divino em nós, é através da respiração que podemos chegar até Deus. Só se alcança a paz através da respiração.” Uh, right. Quem sou eu para contradizer isso? Felizmente a pregação durou pouco. Logo estávamos conversando sobre coisas mais mundanas. Ela ficou chocada quando soube que tenho andando por hotéis que cobram diárias de 50 dólares ou mais. “Um quarto de hotel na Índia custa 10 ou 15 dólares! Se você não fizer questão de banheiro, pode sair até por cinco. E hotel é hotel, tudo o que a gente quer é uma cama.” I beg to disagree -- mas fica registrada a informação para leitores com verdadeiro espírito de aventura.
Na linda Alsisar Haveli, em Jaipur, jantei com uma moça francesa que passa a metade do ano na Índia, mas que, se pudesse, passava o ano inteiro. É designer de jóias e acessórios, e supervisiona a fabricação aqui para venda na França. Sua griffe, Inoui, é vendida em 60 lojas diferentes espalhadas pelo país. No momento, procura casa em Jaipur, porque está cansada de hotéis. Calcula que, entre aluguel, despesas básicas e despesas com empregados, motorista inclusive, pode-se viver muito bem na cidade com menos de 3 mil euros. Nossa conversa começou porque ela estava com uma das echarpes mais lindas que já vi, e perguntei onde a havia comprado.
Meu motorista se chama Desraj. Vem de uma aldeia do Himalaia, onde tem família, mulher e filhos, e para onde só volta de vez em quando, já que o trabalho o mantém na estrada a maior parte do tempo. Tem mais ou menos o meu tamanho (com a metade do peso), uns 40 anos e uma boa vontade desconcertante. No começo da viagem, eu não entendia uma palavra do que ele dizia; agora, nos entendemos bastante bem. Desraj é excelente motorista mas, mais importante, excelente pessoa. A viagem não teria sido a metade do que foi se eu não tivesse um companheiro de estrada tão gente boa.
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