3.11.09

No, Dorothy, this ain’t Kansas


O casal de suiços que encontrei hoje no caminho viveu em Katmandu no final dos anos 70:

-- Era um dos lugares mais bonitos da face da Terra! Uma cidadezinha parada no tempo, toda verde, de onde se avistava a cordilheira.

Os dois voltam a Katmandu pela primeira vez em tantos anos na semana que vem. Recomendei que se preparassem para um choque daqueles.

Eles viveram também na Índia. Passaram onze anos aqui, supervisionando o trabalho de ONGs (são do governo suíço). Falam hindi, comem pimenta como nativos e são muito simpáticos.

* * *

Apesar da pobreza, do caos e da feiúra generalizada, a viagem a Katmandu tem suas compensações. As stupas são lindas, a praça principal continua exatamente como era há centenas de anos, o artesanato é delicado e em geral muito bonito. Além disso, basta sair um pouco da cidade para encontrar o Nepal que se imagina: vastos campos de arroz, camponeses às voltas com a colheita e, na linha do horizonte, os picos do Himalaia em toda a sua glória.

Para quem quer ver as montanhas de perto mas não tem tempo, preparo físico ou joelho para ir a pé, a Yeti Air faz vôos panorâmicos de uma hora por U$ 170. Saímos ao nascer do sol e vemos a cordilheira se iluminar aos poucos.

Há franceses e japoneses no aviãozinho, e muitas câmeras DSLR. Nikon reina suprema. Um japa simpático está usando a mesma lente que eu (18mm-200mm) e trocamos um sorrisinho bobo tipo alguma-coisa-a-gente-tem-em-comum.

Dã.

De repente, lá está ele, majestoso e inconfundível, coberto de neve, lindo acima de todos os outros.

Os pelinhos do meu braço ficam eriçados e me apaixono à primeira vista pelo Everest. Mas assim: ele lá e eu cá, muito obrigada.

* * *

À noite falta luz em Katmandu. Para quem está de passagem, o perrengue é uma atração a mais. Ricardo e eu vamos para a praça central em plena escuridão. A luz que há é a do farol das motos, que não param, e das lanternas e lamparinas dos ambulantes, que vendem frutas, condimentos, grãos e legumes.

Os mais safos e/ou ricos têm daquelas lanternas de luz fluorescente, e podem negociar com mais conforto, mas cortam completamente o clima medieval reinante.

Em frente ao templo de Ganesha há também uma quantidade de velas e lamparinas de manteiga de iaque acessas: é dia de prestar homenagem à paquidérmica divindade. A multidão é tão compacta que mal se consegue passar. E, ao contrário da multidão indiana, a nepalesa empurra e usa os cotovelos com empenho.

A multidão nepalesa, Pequeno Gafanhoto, é uma onda que dá caixote.

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A 13 quilômetros da capital fica Bhaktapur, que é, mais ou menos, como eu imaginava que seria Katmandu: uma verdadeira cidade medieval asiática, onde ruazinhas estreitas desembocam numa grande praça pontilhada de templos e palácios.

É sem dúvida um dos lugares notáveis do mundo e, louvado seja Krishna, fechado ao trânsito de automóveis.

Como todos os pontos históricos do planeta, Bhaktapur vive hoje em função do turismo, e as lojas que circundam a praça (Durbar Square, assim meio nepalês e meio inglês) vendem artigos para estrangeiros: objetos decorativos entalhados em madeira, panos bordados, papel feito à mão, esculturas de bronze, jóias e bijuterias, delicadas pinturas em pano, casacos de cashmere e pashminas de todas as cores, umas poucas camisetas.

Não é difícil imaginar o tempo em que as lojinhas eram casas ou em que abasteciam a população local, porque a cidade está viva e bem. Compadres conversam nas escadarias dos templos pitando cigarrinhos de palha, crianças voltam da escola fazendo algazarra. Um camarada grita da rua, outro responde da janela.

Vacas, cachorros e cabras convivem pacificamente com os humanos.

* * *

Contando em quilômetros, Bhaktapur fica bem perto de Katmandu. Contando em tempo, fica muito longe. Não há trânsito na acepção literal da palavra em Katmandu, só engarrafamentos. Levamos mais de uma hora para cobrir o trajeto entre as duas cidades.

Comemos poeira e respiramos emissões tóxicas. Os templos dão sua contribuição queimando incenso em quantidades industriais. Num deles, uma placa enorme informa, em inglês:

“Smoking is strictly prohibited”

Ahn?

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