Não se via vivalma num raio de quilômetros.
Assim como o negócio do turismo na região, o lago estava quase seco. A falta de chuvas decentes há mais de dois anos está fazendo um estrago horrível, só comparável às ameaças de atentados terroristas e à crise financeira, que afugentaram os firangs. Pássaros iam e vinham, se arrumando para dormir, e, no céu, apareciam as primeiras estrelas.
Nesse canto deserto do mundo ainda se vêem estrelas.
O ar fresco cheirava a terra, feno e estrume, e de repente me ocorreu que esse sempre foi o aroma natural do planeta, antes que o cobríssemos de cimento e de asfalto.
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A única coisa que me assustava de fato em relação à Índia, antes de vir para cá, eram os cheiros. Não sou enjoada em relação a nada e tenho poucos medos, mas sou muito sensível a cheiros. Visitar a Jama Masjid em Nova Delhi foi um programa desagradabilíssimo, menos pela roupa ridícula que me fizeram vestir do que pela fedentina generalizada, misto de lixão com vala negra e gente porca. Perfeitamente nauseabundo!Fiquei preocupada achando que aquilo era só uma amostra do que me esperava em Varanasi mas, graças aos 33 milhões de deuses do panteão hinduísta, estava enganada.
O cheiro predominante em Varanasi é o de incenso, queimado por toda a parte em oferendas e rituais. Não é ruim, e combina com o ambiente. Aqui e ali alguns cheiros se sobrepõem, sobretudo o das frituras, o de especiarias e o de algum viajante com o desodorante vencido.
O próprio Ganges, poluído como está, não cheira, assim como não cheiram os ghats onde mortos são cremados dia e noite. A população local atribui o fato a um milagre de Shiva, mas a lógica dá o crédito a um santo mais banal chamado vento. Como não vi nenhum dos famosos cadáveres deslizando correnteza abaixo, não posso falar da cidade no seu pior.
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Em Nova Delhi, tirando a mesquita, não passei por nenhuma grande aflição olfativa. Chandni Chowk tem cheiro de escapamento de automóvel, curry, suor e incenso, muito incenso, usado para espantar as moscas; no Qutab Minar reinam as plantas, entre elas magníficas damas-da-noite.Udaipur tem um estranhíssimo cheiro de água no deserto. Não me perguntem o que é isso, porque não há nada mais difícil de descrever do que um cheiro. A julgar pela quantidade de mangueiras, acho que, no verão, o ar deve ser com o de Belém do Pará, com a diferença que a água, lá, é molhada mesmo.
O sertão do Rajastão, que tenho percorrido nos últimos dias, cheira a campo. O esterco é onipresente, inclusive como combustível e material de construção. Não gosto nem desgosto, acho absolutamente normal e nem esperaria outra coisa.
O jardim do hotel de onde escrevo é perfumado por dezenas de pés de jasmim. Ouvem-se a água de uma fonte e os pios de pássaros noturnos. O efeito geral é paradisíaco.
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Os indianos gostam de perfumes fortes e, pelo que tenho cheirado, usam muito essências puras: rosa, jasmim, sândalo, por aí. A sorte é que os fixadores, se é que os há, não funcionam, de modo que o que tonteia qualquer um numa loja de perfumes acaba se perdendo no ar ao longo do dia.Não percebi distinções de sexo no uso dessas essências; vários homens se perfumam com rosas.
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