12.12.07



Esta é a foto que saiu no jornal; foi feita às duas da manhã, por uma tartaruga virada de costas que não dá conta de usar um tripé para evitar o uso do flash. Em cena, Netcat, que dormia no sofá. Os livros estão onde estavam quando acabei de escrever a crônica, e achei que o conjunto funcionava. Há um terceiro volume à vista, um Borges da nova safra da Companhia das Letras, que ficou, porém, para a próxima semana.



Esta é a foto que fiz ontem, assim que acordei, usando luz natural. Estava arrumando os livros quando o Irineu veio brincar. Infelizmente, a página da crônica já estava fechada, e não pude fazer a troca. Fica aqui o registro, só para que a pose charmosinha do Irineu não se perca.

Fantasia para quê, diante da realidade?


Vocês sabem onde fica Baku? Eu não sabia: fica no Azerbaijão. Vocês sabem onde fica o Azerbaijão? Eu tinha apenas uma pálida idéia: ali pelo Cáucaso. Mais do que isso nunca soube e, honestamente, nunca me fez falta saber. Até que comecei a ler “O orientalista” (Record, 515 páginas), de Tom Reiss, biografia de Lev Nussimbaum, famoso como escritor antes da Segunda Guerra sob os pseudônimos de Essad Bey e Kurban Said. Não, eu também não sabia quem era Nussimbaum, e tampouco tinha ouvido falar de seus heterônimos. O livro me ganhou pela capa, que mostra foto do nosso herói de fez na cabeça, e pelos blurbs, aquelas frasezinhas pinçadas de jornais para chamar a atenção de quem passa pelas livrarias sem um propósito fixo. A da capa de “O orientalista” diz: “Uma história extraordinária – The New York Times”.

E é mesmo. São, aliás, várias histórias extraordinárias, da vida do biografado às aventuras de Reiss ao seguir suas pegadas, passando pela própria história de Baku, do Azerbaijão e do Cáucaso. No começo do século passado, Baku, onde o mar volta e meia pega fogo sozinho, de tanto petróleo, era uma cidade rica, cosmopolita e, raríssimo para a época, excepcionalmente tolerante em relação às diversas religiões de seus habitantes. A descrição que Reiss faz da região me impressionou tanto, aliás, que agora estou caçando mais livros sobre o Azerbaijão, em particular, e o Cáucaso, em geral. Com isso, “O orientalista” realiza o que considero a mais nobre missão de um livro – abrir os olhos e o espírito dos seus leitores para o desconhecido.

Quanto à Lev Nussimbaum, foi uma surpresa para o próprio Tom Reiss, que o descobriu ao tentar desvendar a verdadeira autoria de um pequeno romance chamado “Ali e Nino”, assinado por um certo Kurban Said. O personagem saiu infinitamente melhor do que a encomenda. Judeu convertido ao islamismo e autor de best-sellers na Alemanha nazista, Nussimbaum gostava de incorporar a persona que criara para si, usando trajes exóticos e deixando-se fotografar em poses extravagantes. Evidentemente esse tipo de comportamento não era tão bizarro naquele tempo quanto seria hoje, no nosso mundo globalizado, vestido por igual de alto a baixo. Para ficar num só exemplo, Lawrence da Arábia fazia o mesmo, e nem por isso deixava de ser levado a sério por cínicos como Churchill e G. B. Shaw.

Diferentemente de T. E. Lawrence, porém, lembrado até hoje, Lev Nussimbaum, que também teve um fim trágico, desapareceu com o mundo em que viveu. Não deixou filhos e o pai, único membro da família que conseguiu escapar da revolução em Baku, foi assassinado pelos nazistas num campo de concentração. Para chegar ao seu personagem, Tom Reiss seguiu as pistas mais vagas e curiosas, até topar, na vida real, com um recurso clássico da literatura: manuscritos inéditos. Em Viena, procurando a primeira editora de “Ali e Nino”, ele recebeu, das mãos de uma senhora quase centenária, os seis velhos cadernos já amarelados em que Nussimbaum, às portas da morte, registrara suas memórias... como Kurban Said! Quanto se pode confiar nas memórias de um homem que de tal forma se especializou na reinvenção de si mesmo? Durante cinco anos, o autor dedicou-se, meticulosa e pacientemente, à busca da verdade possível. O resultado é, numa palavra, sensacional. Do começo ao fim, não há ficção que supere a realidade deste livro improvável e maravilhoso, muito bem traduzido por Maria Alice Máximo.

* * *

Ao contrário de “O orientalista”, a capa de “Invasão de campo: Adidas, Puma e os bastidores do esporte moderno” (Zahar, 359 páginas), de Bárbara Smit, quase me afasta de uma ótima leitura. O que sobressai nessa capa é a foto dos pés de alguém usando chuteiras num gramado. Junte-se a palavra “esporte” a uma foto dessas, e é exatamente disso que eu fujo. O que salvou a minha relação com o livro, digamos assim, foi o tédio da imobilidade: uma pessoa de joelho quebrado faz coisas que jamais faria em circunstâncias normais. Pois eu resolvi folhear o volume pouco promissor que me olhava, há meses, de uma pilha no canto da sala.

Quem poderia imaginar que um assunto desses renderia tão boa diversão?! Sim, fala-se um bocado de esporte em “Invasão de campo”, mas a história contada é muitíssimo mais emocionante do que qualquer partida de futebol. Ela começa numa cidadezinha alemã medieval, com um modesto tecelão transformado em sapateiro, e termina envolvendo moda, celebridades e quantias astronômicas. Entre uma ponta e outra passam a Segunda Guerra (sempre ela), uma família abalada por brigas fratricidas, o nascimento da Puma e da Adidas, intrigas de toda a espécie, subornos, acordos escusos, ousadas jogadas corporativas e uma série de personagens cuja fama vai bem além dos estádios. Tudo isso e mais a invenção da união entre esporte e negócios, e a idéia da marca esportiva como estilo de vida. Ufa!

Para o Natal, este é um livro de múltiplas utilidades: pode ser dado para quem gosta de esporte, para quem gosta de negócios, para quem gosta de moda ou, pura e simplesmente, para quem gosta de uma história bem contada. Para completar, a tradução de Cristiano Botafogo é excelente.


(O Globo, Segundo Caderno, 13.12.2007)

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