14.9.06


Não é que levei a vida
para descobrir o óbvio?!

Às vezes, uma roupa não é só uma roupa...


Na semana passada, fui ver "Mademoiselle Chanel" pela segunda vez. Na semana que vem, provavelmente irei pela terceira, e tantas vezes irei quantas o destino e o tempo me concederem. Ter a chance de assistir ao vivo a uma atriz como Marília Pêra é privilégio que se deve sempre aproveitar ao máximo, ainda por cima quando ao seu talento se somam tantas felicidades: o texto brilhante de Maria Adelaide Amaral, o cenário clean e eficiente, a luz, a trilha sonora e a direção primorosas de Jorge Takla, para não falar na beleza de Laura Wie e Elen Londero, que desfilam uma roupa mais linda do que a outra ao longo do espetáculo.

Quem só conhece Chanel como grife descobre uma personagem fascinante; quem já fez essa descoberta, confere o milagre da transfiguração de Marília em Gabrielle, num feito de bravura comparável apenas à Callas que a mesma Marília fazia em "Master Class", e à Piaf de Bibi Ferreira, lembrança encantada de tantos anos. Ri-se muito durante a peça que, no entanto, está longe de ser uma comédia; mas esta é a magia do palco na sua plenitude.

* * *

Por coincidência, foi durante esta segunda ida a "Mademoiselle Chanel" que descobri algo que ela nasceu sabendo: o extraordinário poder de uma roupa espetacular. Explico. Eu sempre soube que, ao contrário do que reza o ditado, o hábito faz o monge; e, claro, nunca ignorei a linguagem da moda, e o que ela revela ao outro.

O que eu nunca tinha percebido, porém, era o efeito que uma roupa pode exercer sobre quem a veste.

Adepta de jeans, camiseta e do que os ingleses sabiamente chamam de sensible shoes, sapatos com bom senso, passei a vida buscando peças que mais escondem do que revelam, camuflagens urbanas para entrar e sair sem ser notada de qualquer ambiente -- tendência que se consolidou de vez com minha vida de nerd, e que nem várias Fahion Weeks conseguiram modificar. A atitude do mundo da tecnologia diante da moda é o tô-nem-aí; ninguém nota nada, a menos que seja a camiseta promocional de algum produto obscuro lançado na época da informática a vapor.

Escrever coluna no Segundo Caderno me deu coragem para jogar fora as camisetas do DOS 3, do OS/2 e do Intel 286; a convergência com as telecoms, área de gente elegante, me fez trocar alguns jeans por calças de linho -- mas não fui muito além disso, e assim teria permanecido, contente, se o acaso não me tivesse dado como vizinha de porta, há alguns anos, a bela Marcella Virzi, uma das mais sofisticadas estilistas cariocas.

Ficamos amigas. Tenho imenso carinho pela Marcella, tão sensível, engraçada, inteligente; e tenho uma admiração sem fim pela Virzi, antenada, criativa e perfeccionista, dona de um incrível talento para misturar materiais e idéias em tessituras de sonho. Sua loja, um segredo escondido na Nascimento Silva, poderia estar em qualquer lugar do mundo.

Seria igualmente original e deslumbrante em Paris ou Nova York; e, confesso, igualmente fora das minhas considerações pessoais de vestuário. Não há nada de camuflagem naqueles brilhos e bordados, naquelas linhas perfeitas, naquelas maravilhas ambulantes. Nada, em suma, que se pareça comigo. Ou assim pensava eu até ganhar da Marcella, no outro dia, uma jaquetinha branca com a mistura mais eclética de paetês, ferragens, canutilhos e diversas outras coisas cujo nome sequer conheço -- e que ela, vá entender, achou a minha cara. Pendurei a novidade no gancho da rede e fiquei admirando, perplexa:

-- Como é que se usa isso? Com quê se usa isso? E, céus, quando é que se usa isso?!

A resposta veio no sábado, quando fomos juntas ao teatro. Com jeans, birkenstocks e uma blusa preta, evidentemente -- ou seja, o meu uniforme básico, pois a jaquetinha é mesmo a minha cara. Mas -- e aí se deu a descoberta -- é a cara de uma Cora mais audaciosa, mais confiante. Uma Cora... poderosa, ora essa.

Pela primeira vez na vida, uma roupa mudou de forma radical o meu estado de espírito; pela primeira vez, não tive qualquer vontade de entrar e sair despercebida do ambiente; e, pela primeira vez, entendi porque tanta gente prefere comprar um vestidinho, digamos, a um celular novo ou um disco rígido -- coisa que, até aqui, fugia inteiramente à minha compreensão.

Ao me dar conta disso, no entanto, vislumbrei também o lado negro da força: uma roupa especial tem o poder de alterar os sentidos e, conseqüentemente, de causar dependência. É facílimo se viciar em luxo e beleza, e mesmo dentro de uma bixo grilo empedernida como eu mora, quem diria,uma fashion victim em potencial.

* * *

Hoje eu só queria falar em coisas bonitas e no orgulho que sinto de mulheres como Marília Pêra, Marcella Virzi e Maria Adelaide Amaral; mas, infelizmente, a vida não dá folga a ninguém. Agora aí está o playboy assassino Doca Street posando de velhinho arrependido -- e faturando com os direitos do livro que escreveu sobre seu crime covarde. Argh!!!!!!

Chega de tanta calhordice explícita! Nenhum brasileiro que se preocupa com a ética e a moralidade devia comprar este livro obsceno. Mais: acho que deveria existir uma lei que proibisse criminosos de auferir lucro com os subprodutos dos seus crimes. Nojo!


(O Globo, Segundo Caderno, 14.9.2006)

Um comentário:

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