Comemorar o quê, exatamente?
"Vontade de beijar os olhos de minha pátriaDe niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos..."
Hoje, dia 7 de setembro de 2006, um grupo de amigos, conhecidos e desconhecidos com algo em comum tem encontro marcado na orla, em frente à Aníbal de Mendonça, para protestar contra tudo isso que aí está, a começar pela corrupção. Tudo começou porque Fred D?Orey, dono da Totem, assaltado na volta do aeroporto depois de uma viagem, escreveu um email de desabafo para sua turma. O email virou corrente e, de um momento para outro, Fred viu-se com a mailbox entupida de manifestações de solidariedade e de desabafos semelhantes ao seu.
A maioria das pessoas revelava o mesmo sentimento: O que é que se pode fazer para tentar mudar o país enquanto é tempo? Como restaurar um mínimo que seja da dignidade e da cidadania perdidas? Como mostrar para os nossos empregados do governo que não estamos satisfeitos com o seu cinismo, a sua falta de caráter, o seu descaso para com o país que amamos?
Combinou-se um encontro no calçadão, no feriado, para que todos pudessem comparecer. A idéia era conversar, trocar idéias, discutir caminhos de ação. Nada além de um ajuntamento de cidadãos com uma indignação comum, a mesma perplexidade, o mesmo desejo de descobrir um meio de se fazer ouvir. A idéia continua sendo basicamente essa, mas pode ser que vire passeata, panelaço, qualquer coisa.
-- De que adianta mais uma passeata em Ipanema? -- perguntam os que já fizeram outras passeatas, já se vestiram de branco e de preto, já gritaram Basta!, já mandaram milhares de emails para políticos em Brasília sem ter resposta.
Não sei. Eu mesma já participei de tantas manifestações, já fui a tantas reuniões aqui e ali, já mandei tanto email para político, já escrevi tanta coluna desconsolada.
-- De que adianta mais uma passeata em Ipanema? -- perguntam os que acham que a classe média da Zona Sul carece de legitimidade reivindicatória, digamos assim, por ser... o que mesmo?
Não sei. No mar de demagogia barata que nos cerca, protesto da classe média, sobretudo da Zona Sul, não vale. Protestos do MST invadindo fazendas produtivas e destruindo laboratórios científicos sensibilizam o Planalto e despertam a simpatia do presidente; protestos de traficantes ateando fogo a ônibus param cidades e mobilizam ONGs em todo o país. Mas protesto de profissionais liberais, pequenos empresários e assalariados em geral, gente que não precisa de bolsa família, que faz o país andar e que trabalha duro para pagar a mais alta carga tributária do mundo, cai no vazio, quando não no ridículo. Quem mandou estudar? Quem mandou ter espírito de cidadania e tentar se fazer ouvir com civilidade?
Temos muito a aprender com os grupos que fazem a cabeça das nossas "autoridades". O presidente Lula, por exemplo, que tanto odeia o Rio de Janeiro, só vai receber grupos de cariocas descontentes com o carinho que reserva aos líderes do MST no dia em que tomarmos meia dúzia de palácios, queimarmos umas ambulâncias de sanguessugas e tocarmos um terror básico.
Essa é a língua que ele entende.
* * *
Com as eleições, a conversa nos blogs anda mais política do que de costume. No meu, dia desses, a Carla, amiga querida, fez uma lista do que seria seu sonho para o país. Assino embaixo:"1) Quero um candidato que defenda a existência do concurso público como única maneira de ingresso no serviço público, acabando com funcionários terceirizados e contratados, bem como a redução ao mínimo dos cargos comissionados, reduzidos àquelas tarefas que sejam efetivamente de confiança;
2) Quero um candidato que defenda a meritocracia como a única forma de ingresso em qualquer órgão ou instituição pública;
3) Quero um candidato que promova ensino público de qualidade, hoje restrito aos Pedro II e Colégio de Aplicação da vida (mesmo assim, o Pedro II já não é mais o que era antigamente);
4) Quero um candidato que aumente a oferta de hospitais públicos com a qualidade perdida do antigo Hospital dos Servidores do Estado;
5) Quero um candidato que defenda a possibilidade de uma mulher buscar serviço médico público para realizar um aborto;
5) Quero um candidato que crie presídios onde efetivamente haverá possibilidade de recuperação dos presos recuperáveis;
6) Quero um candidato que enfrente a miséria seriamente, e não através de programas assistencialistas -- que dê a vara e não o peixe. Com a diminuição da miséria e conseqüente oferta de emprego com salário justo, certamente o ponto anterior ficaria prejudicado, eis que a imensa maioria dos crimes são de caráter "social";
7) Quero um candidato que enfrente seriamente a discussão sobre a liberação das drogas -- ou como diz o Chico Buarque em Outros Sonhos, "maconha só se encontrava na tabacaria, drogas na drogaria".
Se alguém souber de candidato ou partido que defenda estes pontos me indique, que eu voto na hora."
(O Globo, Segundo Caderno, 7.9.2006)
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