19.11.09

Na Disney do hinduísmo


Os elefantes são em tamanho natural

Hoje fui a Akshardham, uma das maravilhas de Nova Delhi: um templo monumental, esculpido de alto a baixo em pedra rosa e mármore branco, com a riqueza de detalhes que se vê nos templos do Século XIV.

Só que Akshardham é novinho em folha.

Começou a ser construído no ano 2000, e em 2005 estava pronto, depois de mobilizar o trabalho de onze mil artesãos e voluntários do Bochasanwasi Shri Akshar Purushottam Swaminarayan Sanstha, mais conhecido como Baps.

Mal comparando, é como se, hoje, alguém decidisse construir uma catedral gótica na Europa, usando os mesmos materiais e técnicas usados nos velhos tempos, e chegando mais ou menos aos mesmos resultados.

A diferença é que, no Ocidente, quase ninguém tem mais o know-how que existia na Idade Média. Não haveria nem gente nem dinheiro para levar adiante a empreitada, já que os pouquíssimos artesãos capazes de lavrar a pedra como se fazia então trabalham, a peso de ouro, em projetos de restauração -- invariavelmente às voltas com falta de pessoal especializado.

Aqui, ao contrário, a tradição das artes sobrevive, transferida de pai para filho desde tempos imemoriais: de acordo com o sistema de castas, filhos de pedreiros são pedreiros, filhos de escultores são escultores, filhos de ourives são ourives.

É por isso, aliás, que se encontra tanto e tão bom artesanato na Índia. Na falta de um Shah Jahan para encomendar um novo Taj Mahal, os craques da pietra dura, por exemplo, fazem tampos de mesa, caixinhas e elefantes de mármore com os tradicionais entalhes para vender aos turistas.

* * *

O profeta do Baps é Swaminarayan, que viveu entre 1781 e 1830, e em Akshardham não foram poupados esforços para enaltecê-lo. Os ideais do Baps, que têm incontáveis fiéis nos Estados Unidos e na Inglaterra, são hinduísmo, não-violência, vegetarianismo, vida familiar, felicidade, paz, zero de álcool ou drogas.

É bem bonito como teoria; não sei como funciona na prática. O detalhe das drogas e do álcool, porém, faz sentido. Este templo anacrônico é uma viagem tão delirante que qualquer aditivo se torna desnecessário.

Em meio às indescritíveis estátuas de mármore, e entre colunas onde a pedra se transforma em renda, a vida de Swaminarayan é contada aos visitantes como se estivessem na Disney. Há robôs animados, um filme em Imax que teve a participação de mais figurantes do que todos os Cecil-B.-de-Milles juntos, um passeio de barco à la Piratas do Caribe.

O show de águas dançantes ao final do dia não deixa nada a dever às atrações de Las Vegas.

* * *

Como levar a sério um parque temático de peregrinação?

Os templos da antiguidade nos chegaram cobertos pela pátina do tempo, e se impõem pelo respeito que, instintivamente, sentimos diante da passagem dos séculos.

Em Akshardham, no entanto, é muito difícil separar o sublime do ridículo. Talvez o melhor a fazer seja aceitar os dois lados da moeda, já que seu valor está no todo.


Observação: as duas fotos que mandei são falsas, fotografadas das páginas de um livrinho. Não se pode entrar com nada no templo, e câmeras e celulares, junto com os demais pertences dos visitantes, devem ser deixados no guarda-volumes.

Para mim, passar a tarde inteira sem celular foi, sem dúvida, um imenso exercício de espiritualidade, assim como ver tanta coisa bonita sem poder fotografar. Cá entre nós, confesso que continuo preferindo a materialidade da comunicação em tempo real.

Nenhum comentário: