30.4.09

Voltando ao assunto



Recebi, ao longo da semana, 228 emails a respeito da crônica da última quinta-feira. Todos – absolutamente todos – de acordo comigo, ao escrever que o congresso nacional está dominado por traíras irresponsáveis. Nunca vi disso! Em geral, quando uma crônica desperta esse grau de resposta, é porque toca num tema polêmico; e, consequentemente, a manifestação dos leitores tende a ser dividida. O consenso absoluto, nesse caso, é mais uma prova de como estamos, todos, indignados com os crimes e a pouca vergonha das excelências.

Entre tantas expressões de apoio, houve muita manifestação de desânimo com o país e com a nossa incapacidade de reagir a “tudo isso que aí está”. Não concordo inteiramente porque, bem ou mal, a grita geral na internet e nas seções de cartas de leitores dos jornais e revistas teve lá o seu peso na hora da aprovação das novas regras para viagens de deputados. O que essas regras propõem ainda é muito pouco – para que um deputado precisa viajar tanto? e para que um deputado de Brasília precisa de quase quatro mil reais mensais em passagens? – mas já é alguma coisa. Ficam faltando ainda o fim do auxílio moradia, o fim da semana de trabalho de três dias, a moralização das cotas de telefone, a redução das inúteis cotas de correios e do desperdício de papel da gráfica do senado e a redução do número absurdo de funcionários, entre outros etceteras.

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Os panelaços dos argentinos foram mencionados como exemplo de saudável cidadania por diversos leitores. Eu também invejo a disposição física dos nossos hermanos, mas não consigo deixar de me perguntar de que vale bater panela na rua para depois eleger o Menen ou o casal Kirchner... De qualquer forma, é importante lembrar que os panelaços acontecem sobretudo em Buenos Aires, capital da república. Acho que, se a capital ainda estivesse no Rio, nós teríamos, igualmente, a nossa cota de manifestações; é possível até que os níveis de corrupção fossem um pouco menores, já que, no Rio, nenhuma excelência escaparia do convívio forçoso e cotidiano com a população. Ao mesmo tempo, não existiria a idéia perversa da necessidade de compensação salarial, instituída para atenuar o “sacrifício” de morar em Brasília. Será que a cidade continua inabitável até hoje?!

Acho compreensível que ninguém se anime a ir à rua nas grandes cidades brasileiras. Fazer barulho a centenas de quilômetros de distância não é a mesma coisa do que fazer barulho no focinho dos corruptos. Bem mais difícil de compreender, porém, é por onde anda a população de Brasília, que não se manifesta. Será que todos os seus dois milhões e meio de habitantes são funcionários públicos, ou parentes de funcionários públicos? Será que todos têm tanto medo assim de gritar umas verdades em frente ao congresso nacional? Ou será que, conhecendo melhor as excelências do que nós, sabem que não adianta exigir compostura de quem desconhece a palavra?

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Mudando de assunto, mas continuando no mesmo endereço: apesar de parecer contrário da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, ainda tramita pelo congresso o projeto de lei 4.548/98, que propõe que seja removida da Lei de Crimes Ambientais a criminalização de atos de maus-tratos a animais domésticos ou domesticados. Essa pérola do retrocesso saiu da cabeça do deputado Jose Thomaz Nono, do PFL de Alagoas. Em caso de aprovação, maltratar bicho passará a ser comportamento aceitável, livre de sanções legais; e o Brasil, mais uma vez, estará na vanguarda do atraso. Entidades de proteção animal estão recolhendo assinaturas para levar ao congresso a opinião dos cidadãos brasileiros a respeito dessa barbaridade. O abaixo-assinado está em http://migre.me/Luh.

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Enquanto isso, aqui no Rio, sobra mais uma vez para os gatos do Parque Lage, vítimas do desentendimento entre humanos. A dra. Preci Grohmann, sua protetora, e Ricardo Calmon, chefe do Parque Nacional da Tijuca, disputam a Casa Amarela, onde os animais que estão doentes ou passaram por cirurgias encontram abrigo, e os que foram abandonados ficam de quarentena. Quando escrevi aqui sobre Ricardo Calmon eu não o conhecia, e fui injusta; nós nos encontramos depois e ele me causou a melhor impressão. Está genuinamente preocupado com o PNT, e é querido pelos funcionários e pelos quatis da Floresta da Tijuca. Pena que a relação entre ele e a Dra. Preci esteja tão ruim, porque, mesmo sem querer, Ricardo elogia o trabalho dela. Num documento judicial, ele reconhece que há mais de dez anos a Dra. Preci alimenta e cuida dos gatos do Parque Lage, e que, nesse período, “a população de felinos permaneceu praticamente a mesma, em torno de 50 gatos”.

Ora, qualquer pessoa familiarizada com os problemas dos animais de rua sabe que, para evitar o crescimento desordenado de uma população saudável, é preciso muito trabalho e muito empenho; manter uma comunidade no mesmo tamanho ao longo de dez anos, então, é quase um milagre.

Pois espero de coração que outro milagre aconteça agora, e que os dois, Ricardo e a Dra. Preci, venham a se entender, em prol dos gatos: eles só querem levar suas vidinhas em paz.


(O Globo, Segundo Caderno, 30.4.2009)

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