10.7.03






Os grandes temas da temporada

Se a sua casa estivesse pegando fogo, e você só pudesse salvar um objeto — perguntou uma amiga — qual seria ele? Se você não fosse o que é — perguntou uma outra — o que seria? Se você pudesse ser outra pessoa — perguntou a terceira — quem escolheria ser?

Pronto. Três inocentes perguntas e eis-me mergulhada em dúvidas, sem saber sequer por onde começar a responder! Se eu só pudesse salvar um objeto da minha casa, e se fosse uma pessoa prudente, salvaria, naturalmente, a apólice de seguro contra incêndio. Com isso, suponho, pode-se considerar respondida a segunda pergunta: eu gostaria de ser uma pessoa organizada, disciplinada o suficiente para me lembrar não só de fazer seguro contra incêndio como, ainda por cima, de onde ficou guardada a bendita apólice.

Se eu fosse rica, no entanto, nem precisaria de seguro... embora, é claro, gente rica sempre tenha seguro contra tudo, de incêndio a enchente. Então eu preferiria ser rica, e salvaria os álbuns de fotografia — mas os álbuns valem como resposta? Afinal, eles não são um objeto só, são vários... E, em relação à outra pergunta: eu poderia ser rica e magra? E se eu pudesse ser outra pessoa, eu poderia escolher continuar sendo quem sou, apenas um pouco mais rica, bem mais magra e muito mais decidida? Uma espécie de Cora-manequim-40-cliente- personalité — não é pedir muito, é? — que soubesse responder, sem titubear, a questões tão difíceis?

* * *

Ainda assim, por complicadas que sejam, essas perguntas não passam de meras suposições filosóficas, simples material para psicologia de botequim. Nenhuma tem vínculo com a realidade e, conseqüentemente, nenhuma pode nos pôr frente a frente com nossas inaptidões. Nada, enfim, que se possa remotamente comparar ao Supremo Dilema da Fashion Rio: montar a sua própria Havaiana.

Qual é a combinação de cores mais bonita? E a mais original? E — resolvida a primeira e decisiva parte da charada — qual cor deve ficar na sola, e qual nas tiras?! Isso sim é dificuldade metafísica com impacto real. Apresentada a essa dúvida supérflua e angustiante, lá fiquei, paralisada, perdida entre as 64 possibilidades que se me apresentavam. Regina Casé e Scarlet Moon, mulheres de ação, não pensaram duas vezes.

— Verde e rosa, claro! — disse a Regina.

— Mangueira, obviamente! — completou a Scarlet.

Para mim, contudo — feliz possuidora que já sou de um par de Havaianas mangueirenses legítimas — a opção estava afastada. Pensei em várias cores de tiras, várias cores de solas. Decidi, afinal, que queria uma sola vermelho-caqui (que é uma espécie de cor-de-abóbora carregado) com tiras amarelas, e fui, cheia de determinação, à moça que registrava os pedidos num computador.

— Então, a senhora quer a sola vermelho-caqui e as tiras amarelas. Tem certeza?

— Não. Nenhuma.

* * *

Fui para a sala de imprensa com as minhas Havaianas e uma dúvida enorme.

— Preto e rosa?! — exclamou o João Ximenes. — Isso está horrível.

Lá fui eu trocar as sandálias. No caminho encontrei a Mara Caballero.

— Preto e rosa?! — exclamou a Mara. — Ficou lindo! Absolutamente fashion !

Ufa. Eu já não estava mais infeliz com a minha escolha.

— Viu? — disse a Mara. — Só você vai ter uma Havaiana preto-e-rosa, e vai arrasar.

Uh... Só eu?! Olhei para as minhas sandálias singulares pensando por que diabos num mundo em que todos querem tanto ser originais o fato de ser a única com Havaianas preto-e-rosa me deixava tão aflita.

* * *

A semana de moda carioca é, indiscutivelmente, um turbilhão de energia — uma mistura de cores, movimento e alto-astral que é a cara do Rio.

Teria sido muito interessante ver a dona Marta Suplicy lá no MAM, no meio daquela festa, diante daquela paisagem, discursando sobre as inúmeras vantagens de São Paulo. Acho, aliás, que faria muito bem a ela passar pelo Grande Dilema das Havaianas de espírito aberto, se divertindo com o ingênuo barato de escolher duas cores diferentes e a alegria de ganhar uma sandália de dez real de presente.

Estão faltando bom humor e fair-play à prefeita paulista, para não mencionar educação e senso estético.

Depois de falar mal da nossa linda cidade, onde pode circular livremente sem o colete à prova de bala que é obrigada a usar em casa, a mãe de Supla vai ter que fazer mais do que apenas dizer que “torce pelo Brasil” para desqueimar o filme. Uma simples visitinha ao MAM não faz milagre, mas pode ser um primeiro passo. Sobretudo se ela aproveitar as Havaianas para descer do salto alto.


(O Globo, Segundo Caderno, 10.7.2003)

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