30.4.08


Mundo cão

Onde ficam os sentimentos
no vale-tudo da celebridade?



No ano passado, um psicopata que se diz artista amarrou um cão de rua a um arame, numa galeria de arte, e, supostamente, lá o deixou morrer de inanição, diante de uma mensagem idiota escrita na parede com pedaços de ração. Prometeu repetir a “instalação” este ano -– e, desde que ameaçou fazê-lo, a internet está em polvorosa. Não se passa um dia sem que eu receba dezenas de emails, a maioria com fotos do animalzinho, em estado deplorável, na tal galeria. Alguns pedem divulgação do caso, outros minha adesão a uma petição que, da última vez em que olhei, já tinha ultrapassado a casa dos dois milhões de assinaturas.

É uma reação mais do que compreensível. Afinal, o que pode fazer alguém com um mínimo de sensibilidade diante da indescritível impotência de saber que um bicho inocente será morto, com requintes de crueldade, num outro ponto do planeta?

Há controvérsias em relação ao caso. Investigações da WSPA e da Humane Society, duas respeitáveis sociedades protetoras de animais, foram inconclusivas. Não há provas de que o cão tenha efetivamente morrido, ainda que nada leve a crer que se tenha salvo. As duas sociedades -– tranqüilizem-se! -– já saíram a campo para evitar que a ação se repita; e membros da WSPA foram formalmente aceitos como observadores da bienal de araque para garantir que nenhum animal sofra maus-tratos.

Acontece que quem se propõe a deixar morrer um ser vivo em nome da “arte” conta, justamente, com o tipo de reação que está se vendo na internet. A essa altura, o torturador está famoso, e virou uma “celebridade” que, à sua maneira, garantiu repercussão gigantesca ao que quer que faça. Tivesse tido chance de levar adiante sua proposta “artística”, causaria protestos de arrasar quarteirão, e seria (será, de qualquer maneira) a figura mais comentada da bienal que o convidou -- e que, nem duvidem, o fez exatamente para isso.

A presença da WSPA é certeza de que nenhum bicho será perturbado, quem dirá imolado em nome do que quer que seja; mas esta própria presença renderá, por si só, muita notícia. Não faltará espaço na mídia para que os organizadores deitem falação e para que o “artista” possa discorrer sobre o sentido da arte, sobre a insuportável pressão que sofreu e sobre a incompreensão das gentes.

Durante uns tempos, podem anotar, ele ainda será convidado para uma quantidade de eventos, porque importante, hoje, não é mais o que se faz, e sim a repercussão que se alcança. Não faltarão teóricos para justificá-lo “artisticamente”, emprestando à sua “obra” os rótulos fajutos de “engajamento social” e “convite à reflexão”, posto que não há nada em artes plásticas que meia dúzia de lugares comuns não resolvam.

A verdade, porém, é outra. Num mundo em que o único valor de mercado é a celebridade, mais vale um criminoso que consegue mobilizar milhões do que um artista sensível que só fala a umas tantas almas. A Grande Arte do nosso tempo é o marketing, e a marca do gênio é a promoção. O resto deixou de ter qualquer relevância.

É por isso que peço a todos os amigos aflitos, que tanto têm se preocupado em divulgar o caso pela internet, que, por favor, não o façam mais. Graças à angústia de milhões de pessoas bem intencionadas, um crápula que deveria estar atrás das grades é, agora, um nome conhecido mundialmente. Não vamos aumentar ainda mais o seu cartaz.

* * *

Mudando de assunto e de certa forma ficando no mesmo, de todos os horrores do caso Isabella, um dos que mais me impressiona é o comportamento da mãe que, num primeiro momento, até me pareceu discreto. Depois foi o que se viu: aquele deslumbramento mal disfarçado e os telefonemas para estrelas de televisão, culminando na participação especial no megashow do Padre Marcelo Rossi, onde viveu seus 15 minutos de fama na área VIP com a Xuxa e com a Hebe. Visitou camarins, sorriu e posou para fotos -- ao lado de desconhecidos – vestindo camiseta com a foto da filha assassinada.

Sou da época em que a Morte (assim, com maiúscula) impunha certa gravitas mesmo às pessoas mais superficiais. Perda de filho, então, sobretudo assim trágica, era sinônimo de dor e de recolhimento, menos por imposição social do que por incapacidade de conciliar o sofrimento com a alegria do mundo.

Esta época é agora. Há sentimentos não mudam nunca, ainda que algumas palavras, como compostura, estejam fora de uso; da mesma forma, será sempre inaceitável que determinadas experiências, como a vivência do luto, tornem-se passaportes banais para a fama.


(O Globo, Segundo Caderno, 1.5.2008)

Caçando o cursor do mouse




Eu acho que vi um gatinho...




Bia e um amigo




Estrebarias de Áugeas

Li no Blue Bus que "o Governo da Austria planeja o lançamento de uma campanha para recuperar a imagem do país no exterior. Avalia que a reputaçao foi danificada pelo caso de Josef Fritzl, que manteve a filha presa no porao por 24 anos e teve 7 filhos com ela. A historia chocou o mundo. O caso Fritzl se soma à historia de Natascha Kampusch, sequestrada aos 10 anos e mantida por seu sequestrador por 8 anos no porao de sua garagem."

Sei não, mas tenho cá pra mim que os problemas de "imagem" da Áustria, o mais nazista dos países, vêm de muuuuuuuuuuuito mais tempo.

28.4.08


Gatos & Escritores

Pessoas, amanhã, às 19h30, nesta nossa linda cidade do Rio de Janeiro, o escritor catalão Francesc Miralles (autor de "Amor em minúscula"), a Heloísa Seixas (que dispensa apresentações) e eu bateremos um papo intermediado pela editora Luciana Villas-Boas, da Record.

O evento (é um evento, pois não?) vai ao ar na Livraria Renovar, na Visconde de Pirajá 273, loja A (quase em frente a Letras e Expressões, na altura da Vinícius de Moraes). O telefone de lá, para qualquer dúvida, é 2287-4080.

Apareçam! O livro é extremamente simpático, gostoso mesmo de ler; por isso, aliás, aceitei participar.

Craque é craque

Tenho a maior admiração pelo Augusto Nunes, com quem, há muitas e muitas luas, trabalhei no JB. Ele é um dos meus poucos colegas de geração que sabe digitar com os dez dedos; só isso já seria bastante para matar de inveja qualquer cata-milho como eu. Mas o pior é que, além disso, ele é o jornalista mais rápido dos sete mares: senta, ataca o teclado e, no tempo exato de digitar o texto, zás! está feito o trabalho.

O resultado? Sempre acima da média; e, freqüentemente, excepcional.

Vejam o que escreveu ontem:
O Brasil agora torce pelo bandido
Agusto Nunes

Ele fugiu com a fortuna da mulher grávida, que acabara de perder os pais num acidente de automóvel. Mudou de rosto com uma plástica e de identidade com a falsificação de documentos. Desmascarado pela mulher que abandonara, tentou matá-la. Como o plano não deu certo, aproximou-se do filho que nem conhecera para inibir a mãe, escapou da cadeia e seguiu colecionando crimes e pecados. Esse é o prontuário resumido de Marconi Ferraço, o vilão da novela Duas caras, da TV Globo. Que destino merece uma figura assim?, quis saber o Portal Terra. Um júri formado por 115.573 brasileiros liquidou a questão.

Do total de internautas, 19,59% entenderam que Ferraço merece cadeia. Outros 16,01% resolveram que quem faz o que ele fez não deve continuar vivo. E 7,59% acharam justo condená-lo a solidão perpétua. São índices raquíticos quando confrontados com o alcançado pelos que livraram o réu de qualquer castigo: para 55,48%, Ferraço deve reconciliar-se com a mulher que atraiçoou e envelhecer em paz.

A pesquisa sugere que, para os brasileiros, todos os pecadores merecem ser absolvidos (à exceção do pai e da madrasta de Isabella). O país que torcia pelo mocinho e contra o bandido morreu em algum faroeste das velhas tardes de domingo.

Onde está Wally?




Lucas e um modelo muito charmoso




Pronto, pronto, pronto -- agora foi!

E um filmão!




Um folgato




Um canalha bem recuperado




27.4.08

O blog bem temperado

Verdadeira aula da Marise, que não podia ficar perdida pelos comentários:
"Você pode usar as ervas segundo a tradição ou fazer como os músicos que tocam de ouvido. Eu experimento bastante e não sou nada ortodoxa no uso.

Uma base de uso é:

Alecrim - delicioso em frango, carne de porco e qualquer coisa com manteiga - uma simples batata cozida, untada com manteiga e polvilhada de alecrim ao forno fica ótima! Também pode-se usar o galho como espeto para carne e frango grelhados.

Endro ou dill é uma erva delicada, muito boa em peixes - no salmão fica excelente - e em sopas. Na falta dele pode-se usar as folhas da erva-doce, que é perene e mais resistente.

Orégano fica ótimo em tudo que leva tomate ou queijo, além das carnes.

A sálvia faz uma manteiga maravilhosa e fica ótima no frango e na carne de porco.

O coentro fica perfeito nas moquecas e nos frutos do mar. No Nordeste usa-se em tudo, mas eu acho que sobrepuja o sabor dos ingredientes.

O tomilho é excelente em marinados e molhos a base de vinho. É uma das Herbes de Provence.

O cerefólio vai bem em molhos e carnes.

Estragão vai bem em molhos e omeletes. A Casa da Suiça serve um molho de estragão delicioso para acompanhar a Fondue de Carne.

O manjericão e a alfavaca também são ótimos com queijos e tomates, omeletes e carnes.

A segurelha fica ótima em omeletes e frango.

Logicamente, é só ir provando e vendo do que você gosta.

Fora das ervas, uso canela, cardamomo, cominho, louro em pó e cravo para temperar carnes e molhos, além de usar também muito gengibre. E pimenta, já que um ardido é essencial na vida."

E olhaí a arte! :-)




24.4.08

Por um punhado de dólares

Uma outra história da Leila

"Eu morava no primeiro andar de um prédio no Leblon. Meu apartamento tinha um terracinho, como um quintal, construído em cima da garagem. Esse terraço dava fundos para as varandas dos outros apartamentos. Eu morava com seis gatos. Mini é filho da siamesa Nikita e do gato vaquinha Nico. Mini, vaquinha como o pai, foi o menor da ninhada. Faz 15 anos dia 28/06/2008. Nessa época tinha um ano. Bom, um dia volto do trabalho, era terça-feira, dia da Lene fazer faxina, abro a porta e vejo bem no meio da sala um relógio Seiko prateado e um bombom Sonho de Valsa. Pensei "a Lene estava com pressa hoje..."

Dias depois apareceu na cozinha um chaveiro com as chaves de um Fiat. "Quem esqueceu isso aqui e nem ligou?"

Desci para tomar um sorvete. A síndica me encontrou na portaria e disse meio sem graça que "o coronel do segundo andar disse que seu gato roubou o relógio dele" e fala baixinho: "Vai lá conversar com ele, vai... acho que ele está maluco..." Respondi meio no piloto automático: "Acho que não."

Toco a campainha no segundo andar. O coronel é gentil, adora bichos, diz que o gatinho preto e branco vem sempre ver TV com ele, e um dia pulou a janela de volta pra casa com uma coisa brilhante na boca. Só mais tarde, diz ele, ao procurar pelo relógio que estava no criado mudo e não encontrar... "Um Seiko prateado?" pergunto, morta de vergonha... claro que era. Vou em casa, volto com o relógio, o bombom e o chaveiro. O coronel agradece, diz que o bombom pode ficar para o gato, mas aquelas chaves não eram do seu carro! Corri na portaria, disse que achei o chaveiro no elevador.

Sempre ganhei presentes de meus gatos: folhas secas, uma lagartixa, um ratinho, baratas mortas, pedaços de papel, coisas assim que os gatos dão mais valor. O Mini não entende muito de estilo, mas sabe como agradar um humano! Conversando depois com o porteiro de um prédio do outro lado do quarteirão, ouço ele contar a história do gato ensinado da Venâncio Flores que roubava dólares dos apartamentos vizinhos. Mini é uma lenda viva no Leblon."

Cinema falado

Tendo apresentado a sua lista de Dez Piores Filmes, pôs-se a vossa colunista finalmente em sossego, convencida de que cinema é assunto leve diante do que se lê e vê atualmente; e eis que o céu lhe caiu sobre a cabeça, porque 1) há gente para quem cinema é assunto tão sério quanto religião, política ou futebol; 2) há gente que acha listas disso ou daquilo uma leviandade imperdoável; e 3) há gente que, não contente em ler um jornal inteiro de tragédias, nega à crônica o exercício de trivialidades que é, em última instância, a sua razão de ser.

No blog, onde os assuntos polêmicos costumam me dar muita dor de cabeça, a discussão continua até o momento, em grande forma e alto nível: nessa madrugada de quarta-feira, já são 279 comentários, entre os quais muitos filmes espaventosos foram rememorados e, em contrapartida, velhos favoritos saíram das gavetas de lembranças. Nem preciso dizer que os “piores” e “melhores” são, frqüentemente, os mesmos, dependendo apenas do ponto de vista de cada um.

Na mailbox do jornal, porém, as reações foram mais sérias. O leitor Sergio Varela, por exemplo, teve a gentileza de me escrever em particular, e explicou porque: “Não quis nem tentar publicar na seção "Cartas dos leitores" para não expor a senhora ao ridículo, preservando a sua privacidade, e poupando-a de outras mensagens mais indignadas e menos comedidas, mas prometa não fazer isso de novo, combinado?”

Antes, diz: “Se me permitir, quero recomendar que a senhora reveja (se é que os viu mesmo) os filmes listados para, ao menos, separá-los em categorias e conceitos. No seu lugar, eu voltaria ao assunto me retratando, reconhecendo meu contra-senso, separando o joio do trigo, reescrevendo o artigo.”

Está combinado, caro Sergio, prometo que nunca mais faço uma lista de piores filmes... pelo menos por uns tempos! Mas vou consultar a Convenção de Genebra em relação à sua recomendação, de que eu os reveja e de que me retrate: estou convencida de que deve haver ali um artigo qualquer contra este abominável excesso de crueldade.

Jorge Freitas, Luis Castro e Valeria Villaça talvez nem se conheçam, mas mostram-se igualmente preocupados com os efeitos perniciosos que a coluna possa ter sobre mentes, digamos, menos aprumadas. Luis Castro, ardente defensor de “Os guarda-chuvas do amor”, pergunta: “Quantas pessoas deixarão de ver o filme por causa do artigo que leram?” Não muitas, Luis, não muitas. Quem aluga hoje um filme de 1964 em vez do pipocão da semana é o equivalente do Século XXI dos ratos de cinemateca que éramos no Século XX. Se bem me lembro daquela época, críticas negativas eram até um incentivo para irmos atrás dos filmes...

Os mais polêmicos da lista foram “Amores brutos” e “Os guarda-chuvas do amor”, ambos com defensores ardorosos. Caracteristicamente, os fãs de “Amores brutos” escreveram emails ferozes, questionando a minha sanidade mental e, sobretudo, a sanidade mental dos editores do jornal, que, ora vejam só, me permitem emitir opinião tão sem noção sobre aquela obra-prima inquestionável; por eles, eu estava na rua, substituída por alguém mais bem preparado para o cargo.

Já os fãs de “Os guarda-chuvas do amor” mandaram emails gentis, expondo as razões porque tanto o apreciam e instando-me a vê-lo novamente. Foram tão simpáticos, aliás, que me convenceram de que devo estar errada: quando tanta gente bacana gosta tanto de um filme, alguma qualidade ele deve ter. Mateus Kacowicz lembrou dos tempos do Paissandu e dos filmes de autor, situou o diretor e fez uma síntese do filme: “É uma ópera. As pessoas dizem "Bom dia", ou "Que frio de cão!" cantando. Cinco minutos depois o espectador entra em "suspension of disbelief", entra no clima. As imagens explodem em cromatismo. Ambientes se sucedem, todos vermelhos, todos azuis, verdíssimos, cores hipersaturadas, beirando o surreal; Catherine Deneuve aos dezesseis anos; chuva fotografada na vertical, grossas gotas caindo sobre guarda-chuvas de todas as cores, uma história de paixão adolescente e amor maduro. Uma beleza que fala aos sentidos, à inteligência e à cultura.”

O Franklin da Flauta, outro querido, concorda em gênero, número e grau: “Jacques Demy ousou um bocado, ao apresentar como peça chave do drama a intervenção do exército francês na Argélia, fato que causa a ruptura do casalzinho feliz, numa época em que isto era assunto mais ou menos proibido na França. Quanto à música, é tratada com a maior seriedade operística, tanto no que concerne ao libretto, como na composição de Michel Legrand, laureadíssimo e respeitadíssimo no meio do jazz, à interpretação, dentre outras, por Christiane Legrand, à época primeira voz do não menos consagrado Les Swingle Singers. Embora tenha sido amigo pessoal de Jacques Demy, não me considero suspeito para emitir esta exclamação de espanto, pois antes disso sou músico há algum tempo, devoto desta arte onde não há semântica, nem a figura da mentira (no máximo, cadências deceptivas...) e para mim, “Parapluies” é um dos dez melhores! Já assisti umas cinqüenta vezes e sempre choro...”

Por conta disso, já tem gente lá no blog que concordava comigo revendo “Os guarda-chuvas do amor”. Quem sabe eu não aproveito o feriado e faço a mesma coisa? Depois eu conto.


(O Globo, Segundo Caderno, 24.4.2008)

22.4.08

Bazar da Alfa! Imperdível!

Pessoas, recebi o seguinte recado da Alfa, a estilista (e hoje amiga) cujos vestidinhos deliciosos descobri enquanto não podia vestir jeans:
Convido você para o pré-lançamento da nova coleção da Estado Alfa e da Boto Rosa (crianças) e venda especial da coleção passada.

Muitos descontos!!!

Quando: Quarta-feira, dia 23 de abril.
14hs às 20hs


Onde: Rua Tonelero 200, bl. B, apt.301, Copacabana (entre Hilário de Gouvêa e Siqueira Campos).

Contato: 3511-2420 ou 8238-7779

OBS: Muitos vestidos longos (one of a kind).

Te espero!

Conforme sabe quem já esteve lá, o melhor é que, além de lindas, as roupas da Alfa têm preços muito em conta.

21.4.08

Upgrade

Como, pelo visto, a discussão ainda está rendendo, mudei a data do post dos filmes antes que ele saísse do ar.

Abri umas latas de atum...




A família da minha xará clicada pela Layla :-)




Caso Isabella

O Guilherme, num dos comentários, disse que gostaria da minha opinião sobre o caso Isabella; sei que essa deve ser uma indagação comum a muitos de vocês.

Não gosto de escrever sobre crimes, menos ainda sobre crimes contra crianças. É inútil. Quando a gente escreve e conversa sobre alguma coisa, o faz, em geral, para encontrar um sentido naquilo.

É possível compreender um crime passional, é possível compreender um assalto que resulta em morte, é possível "entender", intelectualmente, muita coisa.

O problema é que, quando a gente se vê diante do assassinato de uma criança, a gente se vê, também, diante de um assassino cujas motivações não consegue entender, nem emocional nem racionalmente. Ali está um ser humano que em princípio é igual a nós -- e, no entanto, é tão diferente, que suas motivações nos são pura e simplesmente insondáveis.

Quando esse ser humano aparece em dupla, então, fica tudo mais difícil. Como é que, entre aquelas duas pessoas, não houve sequer um lampejo de sanidade? Nem falo em horror, comiseração ou compaixão, porque não me parece que esses sejam sentimentos se apliquem ao caso.

Já li alguns artigos condenando a mídia, mas a mídia, afinal, é apenas um reflexo da sociedade que a produz e que a consome.

Para mim, o que está por trás da descomunal comoção causada por essa tragédia é a perplexidade, a absoluta incapacidade de nos pormos no lugar dos assassinos.

* * *

Uma vez, comentando a incapacidade que temos de imaginar o infinito, o Millôr fez uma analogia que, desde então, acho perfeita para tudo o que fica além da minha compreensão.

Ele disse que podemos ensinar um cachorro a pegar o jornal na porta. Se o cachorro for muito inteligente e o treinador muito bom, pode-se até fazer com que o cachorro perceba a diferença entre, digamos, O Globo e o Jornal do Brasil. Mas não há nada no mundo que possa fazer com que o cachorro consiga ler o que está no jornal.

Essa foi pro Flickr mas não veio pra cá: amanhece






Foi tirada (e enviada) junto com a panorâmica pouco antes de eu ir me deitar, às seis e alguma coisa. Na última semana, infelizmente, recaí nesse meu horário de coruja, que é uma chateação. Dormir durante o dia e acordar à noite não me atrapalha nada em termos de produtividade, pelo contrário, mas é péssimo para todo o resto, da vida social às chances de fazer boas fotos.

Quem tem horários "normais" não entende. Acha que é só ir pra cama mais cedo, e pronto.

É bem mais complicado que isso, garanto.

Luto contra as manhãs desde criança. Passei muitos anos tomando remédios para dormir para conseguir pregar o olho um pouco mais cedo (às três, em média) e, mesmo quando viajo para algum lugar onde o fuso horário fica a meu favor, em menos de uma semana já estou indo dormir novamente de madrugada.

Uma vez consultei um especialista em distúrbios do sono. Para tentar mudar isso -- tentar, apenas isso, sem garantias de sucesso -- eu teria, ao contrário do que se pensa, ir dormir a cada dia uma hora mais tarde.

Por exemplo: fui dormir às seis ontem, hoje deveria ir dormir às sete, amanhã às oito e assim sucessivamente, até chegar ao meu ideal de meia-noite, uma hora. Ele me explicou por quê e me pareceu bem lógico, illo tempore.

Mas desisti. Não seria capaz de passar por esse transtorno. Ir dormir às oito eu ainda imagino, mas às quatro da tarde?! Como é que se faz?!

Hoje vou tentar ir dormir um tiquinho mais cedo na marra.

Update às... 5h55 (!): não consegui.

19.4.08


Os dez piores filmes

Mal sabia eu a encrenca em que estava me metendo quando apontei “Paixão Proibida” como um dos dez piores filmes que já vi. Na ocasião, falei da natural dificuldade de se fazer uma lista dessas, já que filme ruim a gente esquece, se é que assiste até o fim, mas prometi me esforçar para chegar a um resultado razoável. O ponto de partida mais provável para a elaboração da minha lista, que seria a dos cem piores filmes do imdb, não funciona. É que lá figuram apenas piores filmes ruins, vale dizer, aqueles dos quais qualquer pessoa com juízo e com mais o que fazer mantém distância; afinal, quem se propõe a assistir um troço chamado “The hottie and the nottie”, estrelado por Paris Hilton, não pode se queixar.

Ao contrário do que eu imaginava, a lista tampouco serviu para me relembrar horrores esquecidos. Deus é bom, gosta de mim e me poupou daquilo tudo, o que não é pouca porqueira, considerando a quantidade de filmes que já passaram pela minha vida. A lista da Wikipedia é um pouco mais abrangente. Traz clássicos como “Plan 9 from outer space”, de 1959, e “Glen or Glenda”, de 1953, ambos de Ed Wood, que guardo com carinho em VHS, mas esses não contam porque, de tão ruins, chegam ao sublime.

O problema é que escolher filmes “geneticamente” ruins, como “Debi & Lóide” ou “Entrando numa fria maior ainda” (Meet the Fockers, uma pobreza total a partir do título), não é justo: eles são caça-níqueis e, do produtor ao lanterninha, ninguém os leva a sério. Para fazer jus à classificação de péssimo filme é necessário que a obra tenha, no mínimo, a pretensão de ser um filme, quando não uma obra de arte. É isso que faz de “Waterworld”, por exemplo, o estrepitoso desastre que é. E é por isso, também, que não agüento “Sonhos de Kurosawa”: cada fotograma desse festival de pieguice olha o público de cima para baixo, como se dissesse “Reparem bem, eu sou uma obra-prima! Eu sou inteligente e sábio e politicamente correto!” Argh.

Os leitores, como sempre, me ajudaram muito. Recebi ótimas sugestões aqui e lá no blog. Descartei todas as referências a filmes nacionais: há muita porcaria feita pelo mundo afora para a gente criar mais uma polêmica sobre o Glauber. De posse delas, e puxando pela memória, acabei com uma lista que me parece bastante completa. Pode ser que amanhã ou depois eu me lembre de alguma terrível injustiça, de algum filme que tinha que estar entre os meus Dez Piores, mas, até lá, posso afirmar com convicção: odiei cada segundo dos que relaciono.

  • “Amores brutos”, de Alejandro González Iñárritu, e “Paixão de Cristo”, de Mel Gibson, estão empatados como os piores dos piores: são os filmes mais antipáticos, cruéis e nojentos.

  • “Cidade dos Sonhos”, de David Lynch, e “Full Frontal”, de Steven Soderbergh, empatam na pretensão e no quesito filme-cabeça; “Paixão Proibida”, de François Girard, que ombreia com eles, é tédio em estado puro.

  • “Hamlet”, de Franco Zefirelli, ganha com a escalação de elenco mais equivocada de todos os tempos.

  • “Gangues de Nova York”, de Martin Scorsese, empata com “Waterworld”, de Kevin Costner, na categoria muito barulho por nada.

  • “Os guarda-chuvas do amor”, de Jacques Demy, entra na lista por incitação ao suicídio: depois de dez minutos daquela cantoria, não há quem não queira cortar os pulsos.

  • Fechando, “Sonhos de Kurosawa”, pelos motivos acima mencionados.

    * * *

    Mandei o desafio para meu amigo Tom Taborda, o cinéfilo mais constante e onívoro que conheço, que não só vê pelo menos um filme por dia como, ainda por cima, se dá ao trabalho de fichá-los todos, um por um. Tom não resistiu à tentação de arrolar filmes trash, mas é importante frisar um detalhe: ele os assiste com gosto e sem preconceito, pelo que são. Eis a sua lista:


    1) “Em primeiríssimo lugar, "Flávia, a Monja Muçulmana", único filme que me fez sair da sala antes do fim;

    2) Todos os filmes de Manoel de Oliveira, que desconhece que o cinema já foi inventado: cada cena sua tem um penoso ritmo que investe de desproporcionada envergadura os mais trivais diálogos ("É por aqui que se vai ao Convento?", perguntam a um camponês à beira da estrada; até que a seqüência termine, com "Sim" e "Obrigado", teremos uma série de longas tomadas enfáticas). Nos filmes dele, até mesmo as plantas no cenário trabalham mal;

    3) "Round Midnight", o único em que dormi a sono solto;

    4) Todos os da estética "Uma Câmera na Mão, uma Idéia na Cabeça", que inventaram que a incompetência técnica, a improvisação e a falta de idéias é 'arte & gênio';

    5) "Anaconda", trash-movie que é um lixo;

    6) "Amantes Constantes", ambientado em Paris, em maio de 68, com takes demorados e inexpressivos; o título da minha crítica seria "1968: O Filme que Não Acaba Nunca";

    7) "Os Guarda-Chuvas do Amor", musical onde todos os diálogos são alegremente cantados em canções anódinas, capaz de fazer qualquer um desistir de musicais;

    8) "Titus" uma das mais difíceis peças de Shakespeare, tornada intragável por Julie Taymor;

    9) "A Reconquista", com Travolta e Forest Whitaker fazendo o papel de alienígenas rastafaris (!);

    10) Certos diretores não poderiam 'cometer' alguns filmes: "Gangues de Nova York" do Scorsese, "Goya em Burdeos" e "Tango, no me dejes nunca" do Saura.


    (O Globo, Segundo Caderno, 17.4.2008)
  • Mais arrumação... não acaba nunca!




    Esconde a cabecinha no braço...




    Ele tem um jeito de dormir muito fofo!