30.8.07

Na casa própria





Notícias do Irineu:
o inferno são os outros

Amanhã faz um mês que Irineu, o gato temporário, foi lá para casa. Nesse ínterim, uma quantidade surpreendente de leitores se ofereceu para adotá-lo: recebi dois ou três telefonemas, muitos emails e algumas cartas. Sim, há quem se comunique através de cartas, manuscritas ainda por cima -- fico muito comovida. Mas mais comovida fiquei, de verdade, ao ver tanta gente interessada por um simples gatinho de rua. Essas mensagens foram um antídoto contra as denúncias de descaso e de maus-tratos que habitualmente lotam a minha caixa postal.

Acontece que, como outros gatos temporários antes dele, o Irineu veio para ficar. Ele sabe como conquistar uma mulher: cuida das minhas unhas, que mordisca para que fiquem bem bonitas e, quando me espicho no sofá, aninha-se perto da minha cabeça para dar um trato nos cabelos, que penteia e puxa com os dentes. Seu estilo de hair styling é meio radical, mas é muito bem intencionado.

* * *

Passados 30 dias, Irineu é outro gato. A pata machucada e fedorenta ficou curada, e acho até charmosinha a falha que lhe ficou nos dedos, onde uma das unhas se foi de vez. Depois de uma semana de cuidados intensivos, a cistite passou, os vermes foram eliminados e não há sinal de fungo nas orelhas. Ele cresceu, ganhou peso e deixou de ser pêlo e osso -- agora tem carninhas até entre a espinha e as costas, e não parece mais um dragão espetado quando toma banho. E, como já se lava sozinho, nem precisa mais de banho.

Com a saúde recuperada, porta-se como todo gato de sua idade. Corre atrás de bolinhas de papel, briga com os tapetes, escala tudo o que é escalável. Gosta particularmente da janela do quarto, onde uma família de pombos se especializa em provocar os gatos; graças à rede lá instalada, todos ficam a salvo.

Irineu adora frango e carne moída, tem um fraco por leite e presunto, mas se alimenta, a contragosto, de ração. Manifesta enorme interesse por qualquer coisa que eu ponha no meu prato. Já provou alface, manga, fígado, banana e gelatina diet, mas não gostou..

* * *

Ele estaria levando a vida que pediu a Bastet, não fosse pela presença da Famiglia Gatto na casa onde aterrissou. Para a Pipoca Siamesa, sua presença tanto faz quanto tanto fez: Pips é reservada, os assuntos do mundo não lhe dizem respeito. Keaton dá discretas mostras de aceitá-lo. Netcat, Tati e Tutu fazem o que podem para ignorá-lo, mas isso nem sempre é possível, já que um dos seus maiores prazeres é dar botes em quem passa distraído, seja bípede ou quadrúpede. As véinhas, que já esqueceram que faziam a mesma coisa quando pequenas, reagem indignadas, aos gritos e patadas. Ele corre para longe e faz aquele ar dramático de bicho incompreendido. O Mosca, porém, não tem paciência com essas coisas. Os dois já tiveram discussões sérias, e agora se evitam, diplomaticamente.

O grande problema chama-se Lucas. Como todos os siameses, ele é possessivo e ciumento, e não aceita a presença daquele estranho que, ainda por cima, teve o desplante de roubar tanto da minha atenção. Pouco importa que, no mais das vezes, a atenção tenha se traduzido em remédios ou curativos.

No domingo, Lucas não conseguiu mais represar os sentimentos, e atirou-se sobre o Irineu com instintos assassinos. Foi um autêntico arranca-rabo, que só não teve conseqüências mais sérias porque a arma antigato (um esguicho de molhar plantas) estava ao meu alcance. Ainda assim, o chão da área da refrega ficou igual a um galinheiro, cheio de tufos arrancados. Não tenho esperança alguma de que esses dois se entendam. Não pelo Irineu, que é de paz, mas pelo Lucas, que não pode fazer nada em relação à sua natureza.

De qualquer forma, esse filme já passou lá em casa há alguns anos, quando Lucas, que veio pequeno, cresceu e descobriu que a Keaton era o gato alfa da Famiglia. Durante muito tempo os dois brigaram como gato e gato, e até hoje trocam desaforos de vez em quando. Mas a gente vai levando; afinal, toda família grande tem suas confusões.

* * *

Para o pessoal bacana que queria adotar o Irineu: não desistam de um gatinho só porque ele já encontrou um lar! Há gatos de todos os tipos e idades esperando o dia de ter um dono para chamar de seu. Passem lá no blog e deixem um recado em qualquer caixa de comentários, dizendo qual é o gato (quadrúpede!) dos seus sonhos. Tenho certeza de que logo aparecerá alguém com o bichinho ideal. Aos que não têm computador: podem me mandar cartas, que encaminharei às minhas amigas gateiras.

* * *

A dica hoje é para quem gosta de romances policiais e nunca leu Dennis Lehane. O homem, que só descobri semana passada, é ótimo! Mas -- detalhe importante -- comecem por “Um drinque antes da guerra” e só depois leiam “Gone baby gone”. Se for possível, resistam de todas as formas a ler o final antes de chegar lá, ou perderão uma série de surpresas absolutamente imprevisíveis. Os dois foram publicados pela Companhia das Letras.

(O Globo, Segundo Caderno, 30.8.2007)

Como se faz pra pegar aquele pombo?





Há dias Cat Lover propõe a candidatura do Irineu á presidência com ótimos argumentos, mas 1) ele é dimenor; e 2) não há hipótese de eu deixá-lo ir para Brasília. Aqui está o seu comentário mais recente:
Você ainda não se engajou na campanha "faça como eu, vote no Irineu" ? Aí vão (novamente) os 10 motivos para levarmos Irineu ao Planalto:

1 - É muito popular!
2 - Tem o apoio da mídia!
3 - Veio das camadas mais populares do reino felino! (já sei que vocês vão se lembrar de alguém, mas não tem nada a ver...)
4 - Já está há semanas na casa da Cora e não roubou nada!
5 - Dorme quase o dia todo, portanto tem pouco tempo para fazer bobagem.
6 - Soube contornar diferenças e agressividades dos pares.
7 - Tem a inteligência superior dos gatos (em relação aos humanos, claro...)
8 - Vai acabar com os ratos do país (nos dois sentidos).
9 - Está sempre com as patas limpas (e o resto também).
10 - Jamais distribuirá bolsa-ração para bajular outros gatos!

Vamos lá! Nossa saída é o Irineu!

29.8.07

Tá rolando...

  • O que você estava fazendo há exatamente 10 anos atrás?

    Não tenho a mais pálida idéia mas, além de trabalhando, que isso é certo na minha vida desde sempre, provavelmente mergulhando. Mergulhei muito nos anos 90, em todos os cantos, das Cagarras a Noronha, passando por algumas locações chiques no exterior. E, claro, fazendo uma dieta qualquer.

  • O que você estava fazendo há um ano atrás?

    Trabalhando e fazendo dieta. Parei de mergulhar em princípios do século, depois que engordei e a minha roupa de mergulho ficou apertada. Não tem nem graça mergulhar com lastro de 12 quilos! Agora ela cabe novamente mas, em compensação, a minha buddy favorita casou e mudou...

  • Cinco lanchinhos que você gosta:

    Hm. Junk Food is my middle name, mas, tentando descobrir os que eu gosto mais:
    - Pão de queijo;
    - Qualquer trail mix com bastante damascos ou passas;
    - Sorvete, de preferência sabor café;
    - Café expresso com biscoitinhos deliciosos;
    - Purê de maçã.

  • Cinco canções que você sabe a letra toda:

    Nossa, quase todas as de que gosto. São muuuuuuitas!

  • Cinco coisas que faria se ficasse milionária:

    - Cuidava da família, ou seja: dava um apartamento muito bacana para cada um dos meus filhos, sobrinhas e netos; construía uma piscina olímpica aquecida para Mamãe lá no sítio e contratava o treinador dela full time; separava uma grana de responsa pra Laura, pra ela poder brincar de milionária junto comigo;
    - Fazia um abrigo para gatos igual ao da d. Ruth;
    - Ajudaria as minhas amigas e amigos que cuidam de bichos abandonados;
    - Viajaria para os muitos lugares que ainda quero conhecer, e voltaria muitas vezes aos lugares que conheço e que adoro;
    - Compraria uma cobertura aqui perto, com um espaço coberto de tela bem grande, e cheio de verde, para os gatos se divertirem. Não compraria uma casa porque casa precisa de uma criatura organizada tomando conta.

  • Cinco maus hábitos:

    - Dormir tarde e acordar tardíssimo;
    - Fugir da ginástica;
    - Procrastinar;
    - Juntar tralha;
    - Ser incapaz de me livrar da tralha que me cerca.

  • Cinco coisas você gosta de fazer:

    - Brincar com os gatos;
    - Brincar com os celulares;
    - Ler;
    - Viajar;
    - Voltar de viagem.

  • Cinco coisas que você jamais usaria:

    - Casaco ou qualquer outra peça de pele;
    - Saia curta;
    - Salto alto;
    - Brinco comprido;
    - Bolsa Vuitton & congêneres.

  • Cinco brinquedos preferidos:

    - Computador;
    - Nokia N95;
    - Sony-Ericsson K790i;
    - Trequinhos Bluetooth;
    - Material de papelaria.

    Peguei na Zel.

    Dêem a versão de vocês aí nos comentários: a brincadeira é divertida!
  • A fila dos livros




    Irineu dorme com o brinquedinho





    Ele tem alguns brinquedos novinhos, mas cismou com esse aí, que já estava mais pra lá do que pra cá; adora arrancar pedaços do pano e das penas.

    Se o brinquedo durar até o fim-de-semana vai ser um milagre.

    28.8.07

    Triste demais

    Morreu ontem o Alexandre, marido da Fal.

    Os dois faziam um dos casais mais simpáticos e divertidos que conheci, ainda que online -- a Fal escreve tão bem, e conta com tanta graça o seu cotidiano, que não havia como não se apaixonar por eles.

    Assino embaixo

    "Está na hora do brasileiro começar a querer estudar. Gostar de estudar. Abandonar o preconceito contra o conhecimento."
    Rosana Hermann escreveu um ótimo post lá no Querido Leitor.

    Eu era feliz e não sabia...




    Millôr




    23.8.07

    Ao povo do blog: vocês já leram a carta. Só está aqui de novo porque gosto de ter as colunas todas num mesmo lugar.

    Uma história de horror

    Como um cãozinho brasileiro quase foi deportado para a morte

    Recebi esta carta da Carmen Sílvia Ribeiro, de 22 anos, moradora do Humaitá:
    "Tenho um poodle de 3 anos, que está comigo desde que nasceu. Luan é dócil, esperto, sadio, brincalhão, muito querido. Não desgruda de mim um instante. Em dezembro passado, fui visitar minha mãe, que mora na Alemanha, e levei-o comigo. Toda a documentação foi providenciada: vacinação, exame sorológico, certificado de microchipagem e autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Vigiagro), com data de 28 de novembro de 2006. Desse documento, consta que seria válido até 5 de junho de 2007. Voltei para o Brasil no dia 2 de junho. Cheguei às 5h30m ao Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim e, na passagem pela Alfândega, os funcionários do Ministério da Agricultura apreenderam Luan, dando ordem à Polícia Federal e à empresa Air France para que ele fosse devolvido imediatamente (assim mesmo, grifado, como se encontra no termo de apreensão) no avião das 16h.

    Motivo? A documentação de entrada não era válida, apesar de não haver qualquer referência, na documentação de saída, dos procedimentos a serem observados quando da entrada. Fui informada pelos policiais federais que, ao chegar à Alemanha, Luan, que não estaria portando qualquer documento válido para essa nova saída, seria incinerado em poucas horas, como é de praxe naquele país com animais sem documentação.

    Tentei argumentar com o funcionário do MA, que se dizia ’veterinário’, que nossa chegada se deu no prazo de validade do documento por eles expedido, mas ele disse que aquele era o prazo da vacinação, e que o documento só valia por dez dias (embora dele não conste essa informação). Nas instruções que recebi sobre ’procedimentos para transporte de animais’ está escrito: ’Portar certificado zoosanitário internacional, emitido por médico veterinário oficial do Ministério da Agricultura do país de origem.’

    Ora, para mim, país de origem é de onde o animal é originário. Se era para ser diferente, ou se as autoridades queriam comunicar outra coisa, que deixassem claro, pois cidadãos comuns, que não têm intimidade com expressões como essa, podem se confundir. Para as autoridades sanitárias, "país de origem" seria a Alemanha, de onde o cachorrinho chegara.

    A Polícia Federal, que foi muito gentil, permitiu que eu permanecesse durante todo o domingo com Luan, preso na caixa de transporte onde viajou, no setor de embarque. Mais tarde apareceram outros dois funcionários do Vigiagro que, como o primeiro, também se declararam ’veterinários’. Sua única preocupação era despachar meu cachorro para os fornos alemães. Frios e autoritários, não admitiam qualquer outra solução, embora o artigo 17 do decreto 24.548, de 3 de julho de 1934, em que se baseou a apreensão, autorize o encaminhamento do animal ’aparentemente sadio, no momento do desembarque’, a uma quarentena, para observações e exames. Os ’veterinários’ disseram que o Vigiagro não dispõe de uma clínica para este fim. Ofereci encaminhar meu Luan a uma clínica particular, evidentemente às minhas expensas, mas disseram que isso não era possível. Quarentena, só em clínica oficial - que não existe! Assim que ficou claro que não estavam dispostos a usar do bom senso, fui obrigada a impetrar um mandado de segurança na Justiça Federal. A juíza de plantão concedeu uma liminar, proibindo que meu cachorro fosse enviado de volta à Alemanha. Na noite de domingo, Luan foi levado para o departamento de cargas da Air France, ainda preso na caixa de transporte.

    Consegui uma entrevista com a substituta do diretor no antigo Galeão. Esta funcionária, outra ’veterinária’, ofereceu-me duas opções: retornar com o cãozinho para a Alemanha ou tentar resolver a situação em Brasília (!). A essa entrevista fui acompanhada de uma veterinária de verdade, que ficou chocada com a situação, especialmente com o descaso de todos em relação ao destino do Luan.

    Saindo dali, fomos novamente ao aeroporto, onde a veterinária de verdade examinou Luan, fazendo inclusive testes de laboratório, e forneceu um atestado garantindo que ele goza de plena saúde. Não adiantou. Os ’veterinários’ do MA permaneceram irredutíveis, mostrando-se inclusive muito irritados com a demora em mandar o Luan para os fornos crematórios da Alemanha. Só na terça-feira o dr. Guilherme Couto de Castro, juiz da 19ª Vara Federal, sensível à gravidade do problema, deferiu integralmente a liminar requerida no mandado de segurança, determinando a libertação do Luan.

    A norma em que se baseia o MA induz qualquer cidadão a erro, já que a palavra origem refere-se, segundo o Aurélio, a ’nascimento, naturalidade’. Logo, é compreensível que eu tenha entendido que o certificado obrigatório era justamente o que tinha providenciado. Mas de que adianta manter funcionários ’especializados’, se eles pouco se importam com pessoas e animais? Para deportar não há necessidade de ’veterinários’, basta a PF. Que, aliás, se portou com dignidade e humanidade, ajudando no que pôde. Durante as 72 horas em que Luan permaneceu no aeroporto, onde podia visitá-lo uma vez por dia, para dar-lhe água e comida, eu também me senti trancafiada naquela caixa, no departamento de carga. Chorei e sofri muito com e por ele. Perguntei a um dos ’veterinários’ se sabia o destino que lhe seria dado se retornasse à Alemanha. Ele deu um sorriso, abriu os braços e não disse nada. Nem precisava. O gesto havia sido claro: ’Não tô nem aí’.

    É importante assinalar que a legislação em que o MA se baseia é de 1934. 1934! Desde então, passaram-se 73 anos. Em mais de sete décadas, o mundo evoluiu indescritivelmente - mas a lei brasileira parou no tempo. Os agentes do Vigiagro lotados no aeroporto continuam no ano de 1934, certamente em algum regime nazista. Soube que várias pessoas passaram pelo que passei. Algumas, com menos sorte do que eu, tiveram seus animais ’deportados’ para fornos crematórios, por total falta de humanidade, sensibilidade e bom senso de agentes que se autodenominam ’veterinários’."


    A advogada da Carmen me informou que, em julho, saiu sentença determinando que Luan fique no Brasil. A Advocacia Geral da União e o MP apelaram, ou seja: a decisão ainda pode ser revista, e o cãozinho, deportado.

    Estou horrorizada.


    (O Globo, Segundo Caderno, 23.8.2007)

    Em Cuba

    A série, que está indo ao ar no canal Brasil, é o máximo.

    O blog do Felipe Lacerda, que dirigiu o documentário, fica aqui.

    Viva!!! Parabéns!!!



    Não, a Laura não adotou um gato -- o lindinho da foto é o Chico, e só está fazendo figuração. Mas hoje é aniversário da minha irmã querida. Se não fosse por ela, a minha vida seria ainda mais caótica do que é...

    Laurinha, o que seria de mim sem você?!

    Seja muito feliz: hoje, sempre, a vida inteira.

    22.8.07

    20.8.07

    Carta de uma cidadã perplexa

    Atenção, gente: se alguém está pensando em viajar com animal de estimação, a leitura desta carta é muito importante!

    Prezada Cora,

    Tenho um cachorrinho da raça 'poodle', de três anos de idade, chamado Luan, que está comigo desde o dia em que nasceu. Como é característico da raça, ele é dócil, esperto, sadio, brincalhão, muito querido e não desgruda de mim um instante sequer.

    Em dezembro do ano passado, fui visitar minha mãe, que mora em Munique/Alemanha. Como iria passar um longo tempo lá, não poderia deixar Luan para trás, e resolvi levá-lo comigo. Toda a documentação legal foi providenciada: vacinação, exame sorológico, certificado de microchipagem e a autorização do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (VIGIAGRO), com data de 28/11/2006. No tal documento, consta que ele seria válido até 05/06/2007.

    Retornei ao Brasil em 02/06/07, chegando ao aeroporto internacional Antonio Carlos Jobim às 05:30 hs. Na passagem pela alfândega, os funcionários do Ministério da Agricultura, surpreendentemente, apreenderam Luan, dando ordem à Polícia Federal e à empresa Air France para que Luan fosse devolvido imediatamente (assim mesmo, grifado, como se encontra no termo de apreensão) no avião das 16 hs. A razão dessa apreensão é que a documentação de entrada não era válida (apesar de não haver qualquer referência, na documentação de saída, dos procedimentos a serem observados quando da entrada, mas, tão somente, a tal data de validade da autorização, que venceria três dias depois de minha chegada).

    Ainda assustada com o que estava acontecendo, fui informada pelos policiais federais e uma funcionária da Air France que, ao chegar de volta à Alemanha, Luan – que não estaria portando qualquer documento válido para essa nova saída (do que os funcionários do VIGIAGRO sabiam perfeitamente) – seria incinerado em poucas horas, como é de praxe acontecer com outros bichos que retornam nessas condições àquele país. Essa informação pode ser facilmente confirmada.

    Tentei argumentar com o funcionário do MA, responsável pela apreensão (diga-se de passagem, VETERINÁRIO!), que a chegada aconteceu no prazo de validade do documento por eles expedido (05/06/07), mas ele alegou laconicamente que este era o prazo da vacinação e que aquele documento só valia por 10 dias, embora ele não contivesse essa informação.

    Nas instruções que recebi sobre "procedimentos para transporte de animais" está escrito: "Trânsito internacional. 1- Portar certificado Zoosanitário internacional, emitido por Médico Veterinário Oficial do Ministério da Agricultura do país de origem." Para mim, país de origem é de onde o animal é originário. Se era para ser diferente, ou se as autoridades queriam comunicar outra coisa, que deixassem claro, pois que cidadãos comuns, que não têm intimidade com expressões como essa, tendem a ilações mais óbvias. No entanto, segundo nossas autoridades sanitárias, "país de origem" é a Alemanha, pois é de lá que o cachorrinho estaria chegando.

    Gentilmente, a Polícia Federal permitiu que eu permanecesse durante todo o domingo com Luan, ainda preso na caixa de transporte onde ele viajou, no setor de embarque de passageiros. Mais tarde, chegaram outros dois funcionários do VIGIAGRO que, assim como aquele primeiro, também se declararam "Veterinários". A única preocupação desses senhores era despachar meu cachorro o quanto antes para os fornos alemães. Frios e autoritários, não admitiam qualquer outra solução, apesar de, como fiquei sabendo posteriormente, existir saída para o impasse criado, sem que fosse preciso sacrificar meu cachorro – que, diga-se de passagem, é um animal saudável e bem cuidado.

    A apreensão foi feita com base no Decreto 24.548 de 03/07/1934. O art. 17 desse Decreto autoriza o diretor geral do D.N.P.A a, nesse caso (isto é, sem o certificado sanitário do país de origem), encaminhar o animal "aparentemente sadio, no momento do desembarque", a uma quarentena , para observações e exames. Os "veterinários" disseram que o VIGIAGRO não dispõe de uma clínica para este fim. Então, ofereci encaminhar meu Luan a uma clínica particular, evidentemente às minhas expensas, sem nenhuma despesa para o VIGIAGRO mas, mesmo assim, eles alegaram que não era possível, pois somente seria permitido ir para uma clínica oficial, que não existe. Ou seja, está na lei o direito de resolver o problema com o menor dano possível ao cidadão, mas os agentes do governo alegam que não foram criadas as condições para tanto.

    Uma vez que ficou claro que os agentes não estavam dispostos a usar do bom senso, fui obrigada a impetrar, no mesmo dia, um mandado de segurança na Justiça Federal. A juíza de plantão concedeu parcialmente a medida liminar, proibindo que meu cachorro fosse enviado de volta à Alemanha. Na noite de domingo, Luan foi mantido preso na caixa de transporte onde viajou e levado para o Departamento de cargas da Air France.

    Consegui uma entrevista com a substituta do diretor no antigo Galeão. Esta funcionária, uma jovem "veterinária", ofereceu-me duas opções: ou retornar com o cãozinho para a Alemanha ou tentar resolver a situação em Brasília, pois ela nada podia fazer, nem mesmo encaminhar o animal à quarentena, ainda que sem despesas para o Ministério da Agricultura. Nessa entrevista, levamos uma veterinária de verdade, que se mostrou muito espantada com aquela situação, especialmente com o total descaso desses profissionais ao destino de Luan.

    Saindo dali, encaminhei-me novamente ao Aeroporto Tom Jobim, onde a veterinária, Dra. Roberta, examinou o Luan, fazendo inclusive testes de laboratório. Em seguida, forneceu um atestado de que ele goza de plena saúde, "livre de endo e ectoparasitas, miíases, bem como de doenças infectocontagiosas, estando com a carteira de vacinação em dia até a presente data, devendo ser revacinado em 05/06/07". Atestou ainda que, trancafiado na caixa-transporte, da forma em que se encontrava, o cachorrinho poderia contrair algumas doenças, em conseqüência do estresse e da baixa imunidade.

    Mas isso de nada adiantou. Os "veterinários" do MA permaneceram irredutíveis, estando bastante irritados com a demora em mandar o Luan para os fornos crematórios da Alemanha.

    Somente na 3ª feira, à tarde, o Dr. Guilherme Couto de Castro, juiz da 19ª Vara Federal, sensível à gravidade do problema, num despacho lúcido e coerente, deferiu integralmente a medida liminar requerida no mandado de segurança, determinando a libertação de Luan, que FINALMENTE deixou o aeroporto por volta de 17 hs.

    Cora, a norma em que se basearam os funcionários do MA induz qualquer cidadão a erro, posto que a palavra 'origem' refere-se, segundo o dicionário Aurélio, a "nascimento, naturalidade". Logo, é bastante compreensível que eu – e segundo entendi, várias outras pessoas que também já passaram por essa situação – tenha entendido que o certificado obrigatório era exatamente aquele que ela já tinha providenciado, na ocasião da partida, até porque o único prazo de validade nele existente, como já disse, era o da data da vacinação.

    De que adianta ter um departamento em um local tão importante, se só buscam, tal qual Pilatos, lavar as mãos para questões que podem ser resolvidas com o menor prejuízo às pessoas e animais? Convenhamos que, para isto, não há necessidade de "veterinários". Basta a Polícia Federal – que, diga-se de passagem, se portou com dignidade e humanidade, ajudando e fazendo o papel que tais agentes do VIGIAGRO deveriam ter exercido.

    Acredite, Cora, que durante as 72 horas que Luan permaneceu no aeroporto, onde eu podia visitá-lo uma vez por dia, para dar-lhe água e alimento, eu também se senti trancafiada naquela caixa, no compartimento de carga. Chorei e sofri muito com e por ele. No domingo, perguntei a um dos "veterinários" se ele sabia do destino que seria dado ao cachorrinho se ele retornasse à Alemanha. Quando o informei de algo que ele, certamente, já sabia, ele deu um sorriso, abriu os braços e nada disse. Mas não precisava, com os gestos já havia dito: "Não tô nem aí".

    É importante assinalar, Cora, que a legislação em que o MA se baseia é de 1934. Desde então, passaram-se 73 anos. Em mais de sete décadas, o mundo evoluiu e diminuiu de tamanho, através do desenvolvimento das comunicações em tempo real, com o descobrimento do antibiótico, a criação de exames cujos resultados podem ser obtidos em tempo diminuto, etc. Naquela época, era impossível conhecer e identificar, rapidamente, a contaminação no animal por alguma doença, ou qualquer epidemia estrangeira. Hoje é plenamente viável que a ausência de tal certificado seja suprida mediante exame por veterinário no local e, se necessário, uma quarentena em uma clínica veterinária apropriada. Mas, nesse setor, os agentes do VIGIAGRO que encontram-se lotados no aeroporto internacional Antonio Carlos Jobim continuam no ano de 1934, e certamente em algum regime nazista.

    Enfim, essa é a história do retorno do cãozinho Luan ao seu país de origem, o nosso Brasil.

    Escrevo porque entendo que as pessoas devem ser advertidas e estar alertas ao que acontece em nosso País. Jamais imaginei passar pelo que passei, e soube que várias pessoas já passaram por isso também, algumas com menos sorte que eu, que tiveram seus animais “deportados” para os fornos crematórios de algum país na Europa, por total falta de humanidade, sensibilidade e bom senso de agentes que se autodenominam “veterinários”.

    (Carmen Silvia Lopes Ribeiro)


    Update: A Beth, advogada da Carmen, me informou o seguinte:
    "Em julho saiu sentença determinando que o cachorro ficasse no Brasil, mas a AGU (Advocacia Geral da União) e o MP (Ministéiro Público) apelaram, ou seja, tal decisão pode ser revista e o cachorro "deportado".

    O pessoal da Polícia Federal - que foi bastante solidário à Carmen - disse que é super comum, que toda hora bichinhos são deportados..."

    É para isso que a gente paga imposto???!!!

    16.8.07

    Ele tem pretendentes...




    Ele já recebe correspondência!




    Juntos, olha só!





    Harry Potter: missão cumprida

    Enquanto isso, no Rio, as forças do mal se abatem sobre os gatos indefesos do Parque Lage


    O novo Harry Potter, que chegou às livrarias há pouco menos de um mês, foi recebido com ainda mais estardalhaço do que de hábito. Como sabe qualquer pessoa que não tenha sido abduzida recentemente, “Harry Potter and the Deathly Hallows”, que aqui se chamará “Harry Potter e as relíquias da morte”, é o ponto final da série.

    Para muita gente, o retumbante sucesso desses sete livros é inexplicável. Tenho amigos que tentaram ler o primeiro volume sem qualquer preconceito -- na época, Harry Potter era apenas um best-seller, não um case de marketing -- e não conseguiram passar da página 20. Sim, claro, a prosa da autora é banal; e claro, claro, nem tudo tem uma lógica perfeita na história. Mas quem teve a sorte de ser fisgado pela magia de Hogwarths não se deixou abater por esses detalhes; o que J. K. Rowlings oferece compensa, de sobra, o que eventualmente lhe falta.

    Como já se previa no volume anterior, o novo começa com o triunfo das forças do mal. Voldemort toma o Ministério da Magia e loteia os cargos públicos entre seus aliados; os criminosos escapam da prisão; a imprensa fica sob censura e uma tenebrosa limpeza étnica toma curso. Harry, Hermione e Rony, em fuga constante, são a última esperança, não só do mundo dos bruxos, mas também do mundo dos trouxas.

    Mais uma vez, há muitas lições embutidas no que, à primeira vista, é apenas uma fantasia. Agora J. K. Rowling expõe seus leitores ao lado sinistro dos regimes totalitários e à falta de argumentos (e de humanidade) do racismo. Um de seus grandes méritos é, justamente, não subestimar a inteligência e a sensibilidade dos seus jovens leitores.

    Ainda assim, confesso que não tinha grandes expectativas em relação a esse livro: primeiro, porque a ação não se passa em Hogwarths, que adoro; segundo, porque o final era mais do que previsível. O que ainda poderia acontecer? O que ainda havia por inventar? Para minha surpresa, muita coisa: a imaginação de J. K. Rowling é portentosa. Só não considero “Harry Potter e as relíquias da morte” o melhor livro da série porque há um salto de 19 anos mais do que dispensável no fim, infeliz e açucarada concessão ao “Happy End” hollywoodiano.

    * * *

    Como a cada novo lançamento, discute-se, por toda a parte, se Harry Potter criou novos leitores e se é ou não apenas um modismo. Ora, o que Harry Potter fez pelo livro, nesses tempos de internet, foi um verdadeiro milagre. É claro que nem todos que leram a série conservarão o hábito da leitura; há quem goste de ler e há quem não goste, simples assim. Por outro lado, não tenho dúvida de que muitas crianças que nunca pensaram em livros como diversão mudaram radicalmente de idéia, e andam devorando toda a espécie de literatura.

    E não, a série definitivamente não é um modismo. Não é qualquer um que tem o dom de criar um mundo tão convincente e fascinante quanto o desses livros. Independentemente do que se diga a respeito de suas qualidades estilísticas, J. K. Rowling é uma escritora extraordinária, capaz de pegar o leitor pela imaginação e não soltar mais. Honestamente? Tenho inveja das gerações e gerações de crianças que, um dia, vão ler Harry Potter pela primeira vez.

    * * *

    Há nove anos Preci Grohmann, médica e professora aposentada, cuida dos bichos do Parque Lage, sobretudo dos gatos abandonados: castra-os, vacina-os, encaminha-os para adoção, dá-lhes comida, atenção e remédio. Embora esta cidade tenha uma suposta Secretaria de Proteção e Defesa dos Animais, é assim que funciona, na vida real, o trato dos bichos sem teto, “adotados” por voluntários que cumprem, com grande sacrifício, o dever do estado. Como a maioria dos protetores da cidade, Preci já desistiu de obter qualquer ajuda oficial, e se daria por satisfeita se, pelo menos, a deixassem trabalhar em paz. Existem gatos no Parque Lage há mais de 30 anos e, em 2004, o Ministério Público, depois de vistoria, autorizou a sua permanência no local, determinando pontos de alimentação e autorizando a construção de uma pequena proteção para a comida e para os animais atrás dos banheiros; também foi oferecido a Preci o uso de uma parte do antigo galinheiro da mansão. Ao longo desses anos, ela se dedicou não apenas aos gatos, mas a gambás, macacos, ouriços, morcegos: qualquer bicho em apuros podia contar com sua pronta atenção.

    Eis que, há três anos, um decreto presidencial anexou o Parque Lage ao Parque Nacional da Tijuca. Embora a anexação não tenha sido ainda regulamentada na Secretaria de Patrimônio da União, o burocrata de plantão no PNT, um certo Ricardo Calmon, já começou a perseguir os gatos. Entende-se: expulsar uma pessoa que só faz o bem e uma pequena colônia de felinos é muito mais fácil do que evitar os assaltos nas trilhas, combater a favelização da mata e a caça de animais silvestres, hobby de humanos boçais tão abertamente praticado no Parque, que até parece permitido.

    * * *

    Última chamada para ”Dentro do mar tem rio”, o lindo show de Maria Bethânia em cartaz até domingo, no Canecão. A casa, com uma infinidade de cadeiras a mais, está parecendo a classe econômica da Pluna, mas o prazer de encontrar o Brasil singelo e bonito que Bethânia canta compensa qualquer coisa: para essa viagem necessária e encantadora, recomendo até o bagageiro.


    (O Globo, Segundo Caderno, 16.8.2007)

    A copla de assobiar solito



    Mais um sucesso do grande Luiz Carlos Borges:

    Meu pai um dia me fazia moço
    e me levando para campear
    assoviava qualquer coisa doce
    como se fosse de luz de luar

    Aquela copla que não era um hino
    e era simples e era só sua
    ia amansando nossa vida adulta
    ia amansando duas almas puras

    A copla terna que meu pai trazia
    não transcendia para alguém mais eu
    era a essência do lugar da arte
    ensimesmado no seu próprio ser

    Não se achegava ao derredor do fogo
    nem vinha junto pro galpão da estância
    era parceira apenas campo afora
    só sem querer me acalentava a infância

    Hoje a lo largo na cidade grande
    quando vagueio a procurar por mim
    me dou de conta assoviando a esmo
    e me interrompo sem chegar ao fim

    A minha copla de assoviar solito
    tropeando ruas numa relembrança
    é aquela mesma que meu pai trazia
    que estranhamente me deixou de herança